Suzana foi.docx

Foto: Annie Spratt via Unsplash

Suzana veio morar aqui em casa depois de um Amigo Planta de confraternização no fim do ano passado, no caso, há algumas semanas. De cara, assim que peguei o vaso pesado da hera, que eu nem sabia se era hera, mas tinha as folhas com cara de hera subindo pelos arcos de arame estrategicamente enfiados na terra para traçar o caminho daquele verde gritante, se enrolando em pequenos caules e ramos, cheia, muito cheia, e que no conjunto do verde todo, algumas florezinhas branquinhas com o miolo bem pretinho, pintavam a tela de natureza viva, não me aguentei na súbita vontade que às vezes me dá de fazer trocadilhos toscos, e nomeei a hera de Foi. Além do nome tosco, virou uma profecia. 

Abri a porta de casa com o vaso na mão, e andei arrastando os pés pela sala e sacada com a Foi nas mãos até que escolhi o lugar onde ela cresceria e dominaria a parede, nos meus planos imaginários. No dia seguinte, pesquisando sobre a Foi, descobri que seu nome era Suzana-dos-Olhos-Pretos. E nessa, a Foi foi pela primeira vez, e virou Suzana. Na mesma pesquisa, o Google contava que era uma planta super resistente, de crescimento rápido e que realmente ocupava os espaços. Já via minha casa inteira tomada pela Suzana, quando bateu o medo da morte – eu passaria quinze dias fora. 

Optei pela garrafa com água enfiada na terra, hoje sei que não fiz a escolha certa. Como o spoiler dado no próprio título, sem mais delongas, quando voltei de viagem só vi ao redor da planta o que parecia ser o chão de uma cidade cheia de árvores no outono. Ainda muitas folhas e flores totalmente desidratadas grudadas naquele emaranhado de arames e caules secos. Os meus olhos ficaram com mais água do que aquela planta. Por três dias reguei, tentando resgatar das profundezas da morte, alguma possível sobrevivente. Poucas folhas voltaram a brilhar um verde discreto, e chegou o momento doloroso, podar para tentar dar viabilidade pras sobreviventes com sede. 

Olhei para a Suzana pela última vez, e com uma tesoura em mãos procurava as ramificações com as lâminas, como se tosando um cachorro peludo. O processo dolorido de cortar e arrancar cada caule, folha, flor, às vezes quase na raiz, combinava com o começo de um ano – de mudar tudo que não estava funcionando pra fazer o resto vingar. Quando percebi que aquela poda estava quase virando uma sessão de autoterapia, dei uma de Edward Mãos de Tesoura sem talento e fui cortando sem apego canceriano tudo que já estava morto. No final, coloquei o Alfredo para rodar e fazer a aspiração da sujeira. Olhei para aquele robô aspirador, olhei para Suzana depenada, e pensei – preciso parar de nomear as coisas, se estou sofrendo assim com a pseudo morte de Suzana, imagina quando Alfredo tiver um burnout

Essa história não tem um final feliz. Não vou terminar aqui falando que agora vamos ver pelo lado bom, a Suzana vai crescer toda nova, saudável. O cacete, sobraram três raminhos! A Foi foi. E agora, a Suzana foi. Me resta esperar pelo crescimento de uma nova hera, sem nome. Ou será que não ficaria legal The New Hera? 

Por Raisa Gradowski
18/01/2022 17h40

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