Especulação Imobiliária.docx

Foto: christian koch via Unsplash

Três andares. Três anos. Três milhões de hipóteses lançadas sobre a futura destinação do imóvel. Zero vantagens imediatas. 

Do outro lado da rua, bem na esquina, o gramado verde interrompido pelo muro do condomínio que domina boa parte da quadra era a primeira coisa que eu via do mundo lá fora ao abrir a persiana da janela do quarto pelas manhãs. 

Certa manhã, ao puxar a cordinha da persiana que levantava a cortina de metal e ia revelando o dia com a mesma lentidão de quem acabou de abrir os olhos, despertei meu cérebro antes mesmo do café em um susto: o gramado estava cercado por tapumes. 

Aquele pedaço de grama, que parecia tão pequeno que não dava nem pra chamar de terreno, por isso, sim, pedaço, que mais parecia só um alongamento do espaço da calçada de tão limitado que era, mas pelo menos dava uma cor verde que quebrava o cinza todo cada vez mais presente no bairro, aquele pedaço de grama, estava também fadado a perder suas cores.  A imagem emoldurada pelos ladrilhos brancos da janela, passava da paleta verde pra desanimadora cor-de-cortiça-cinza-construção. 

Desde o dia que os tapumes cercaram o pedacinho daquela natureza, agora já morta, lanço hipóteses do que diabos vão construir ali. Já que ia perder o verde, que fosse pra um lugar com o melhor pão de queijo da cidade, ou com o chope mais gelado, ou com o hamburguer mais suculento, mas por favor que não fosse mais uma sede de imobiliária, que parece que brotam mais do que farmácias.  

No espaço cercado, cresceu a construção de três andares, erguendo uma poeirada que fez meus gastos com antialérgico ultrapassarem os limites do aceitável. E aí, quando faltava só finalizar a construção, quando finalmente eu descobriria o que iria acontecer ali, veio a pandemia. E por meses e mais meses observei a construção, ainda cercada pelos tapumes, esperando o dia da grande revelação. 

A retomada da obra foi recente, tiraram os tapumes, arrumaram a calçada e duas vagas de estacionamento, colocaram esquadrilhas pretas nos janelões que tomavam os três andares das laterais do imóvel, mas nada de pistas do que sairia ali. 

Voltando para casa semana passada, o sinal verde e o trânsito intenso atrás de mim fizeram com que eu olhasse a construção só rapidamente, com uma virada de pescoço. E foi aí que vi de relance um cartaz colado em um dos vidros. Acelerei até entrar na garagem do meu prédio e girei o volante descendo os dois andares até a vaga no subsolo. O elevador, principal inimigo da pressa, não chegava e subi pelas escadas até a portaria. Atravessei quase correndo para o outro lado da rua para enfim ler o cartaz que guardava a informação que mataria minha curiosidade acumulada há tanto tempo. Até que cheguei em frente ao cartaz: Aluga-se. Sigo com zero vantagens imediatas.

Por Raisa Gradowski
14/12/2021 16h58

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