Entro no Posto de Saúde sem saber para onde ir. Estive naquela rua muitas vezes, bebendo caipirinha e me balançando ao som do samba do bar da frente. Do lado de dentro do prédio público, todavia, não há álcool para quebrar gelos – e, em matéria glacial, bem se sabe que o curitibano médio é especialista. Depois que uma mulher tromba em mim e, sem pedir desculpas, segue rota como se nada tivesse acontecido, dou por bem ficar de cócoras em terra de sapo e, no quanto possível, evitar interações humanas. No entanto, não encontro filas, nem placas que indiquem direção, nem maquininhas que cuspam senhas, então sou obrigado a buscar informações no balcão.
Pigarrear três vezes não desperta as funcionárias de seu transe metaversal. Vidradas em seus celulares, ignoram obstinadamente minha presença. Saúdo uma delas com um oi, com licença, tudo bem?, e ela me mira como se eu tivesse acabado de anunciar um assalto. Indico que estou ali para tomar a minha quarta dose da vacina contra Covid, ao que ela solicita meu CPF e, cabeça baixa de novo, lança-o no sistema. Enquanto meus dados são processados, uma senhora asiática se aproxima e, antes de fazer qualquer pergunta, é bombardeada com o carinho peculiar da outra atendente:
— Mas de novo?
— …?
— Não é a senhora que vive sempre aqui?
— É minha irmã…
— Nossa, mas são idênticas!
A senhora ri por conveniência. Um riso amarelo de quem passou a vida inteira ouvindo comparações e talvez só agora, ali, no meio da balbúrdia da saúde pública brasileira do pós-pandemia, descubra que uma antiga desconfiança sua de fato procede: sim, é ela a irmã mais feia. A atendente ri de volta sem nenhum pedido de desculpas, inconsciente da cientificamente comprovada incapacidade caucasiana de diferenciar traços e identificar rostos de pessoas de outras raças. Num assomo de militância, me sinto prestes a acusá-la de etarismo ou xenofobia, mas depois me lembro de que há uma máscara cobrindo 78,16% do rosto da senhora. De fora mesmo, só os olhinhos puxados e as rugas na testa.
Colocando para descansar o militante que há em mim, sigo em meu propósito. Procuro uma cadeira no salão onde fui instruído a esperar e tomo assento. Dou um pulo de susto quando um menino começa a urrar na sala contígua. Grita como se lhe arrancassem um rim. Será que o nome da Unidade de Saúde – Mãe Curitibana – era uma ironia? As crianças ao meu redor se alvoroçam. Puxam as mães pelo braço, enroscam-se no pescoço dos pais. As mais arredias tentam fugir, lutam por se desvencilhar dos adultos que, déspotas, ditadores sanitários, insistem em submetê-las ao que só pode ser um procedimento de tortura medieval (desafiando todos os postulados da mecânica Newtoniana clássica, o pequeno antivax escapou do alcance da enfermeira e agora escala, pela nuca, o couro cabeludo da mãe).
Uma menina captura minha atenção. Deve ter seus dez anos e, por cada um de seus gestos, parece viver dos piores momentos de sua primeira década. De pé diante da mãe, contorce-se numa coreografia estranha e sem alarde: pressiona a bochecha contra o queixo da mulher, desliza as mãos frouxas sobre os braços dela, balança os pés não como quem está impaciente, mas como quem, exausto, para não desabar de vez, precisa transferir de uma perna à outra o peso do próprio corpo. Mesmo que seus cabelos estejam despenteados e alguns fios se preguem à fina camada de suor que se forma em sua testa, não há nela desgrenhamento algum – é discretíssima a sua angústia.
É discretíssima a sua angústia e, por isso mesmo, muito difícil de assistir. Vê-se que gostaria de reagir de alguma forma, mas, por covardia, fraqueza de ânimo ou, quem sabe, generosidade de não querer incomodar os presentes, sofre calada. Se pudesse, berraria como o menino da sala ao lado, choraria como muitas das outras crianças na fila de espera, articularia, ainda que baixinho, palavras como por favor, mamãe, vamos embora. Não consegue, fica a meio caminho e, nesse nem-lá-nem-cá, monta um espetáculo desolador. Quando seu olhar esgazeado encontra o meu, sou tragado para dentro dele e, nesse mergulho forçado, lancina em mim o meu passado. Recuso-o de pronto. Sou obrigado a virar o rosto e, assim, abandoná-la.
Por sorte, ouço meu nome. Pela irritação da atendente, não deve ser a primeira vez que me chama (em minha defesa, uma máscara cobre 61,48% de seu rosto, abafando a sua voz). Pedro Juca? Pedro Jucá, tenho a coragem de corrigir um erro que, em outros tempos, teria deixado passar (em sua defesa, a maioria dos sistemas não admite acentos). Há cinco mulheres de branco dentro da salinha diminuta, não consigo identificar se são enfermeiras, técnicas de enfermagem, psicólogas prontas para tratar afasias pós-traumáticas ou médicas aptas a declarar a hora da morte de pacientes (não deixa de ser muito misterioso o súbito silêncio do menino da sala ao lado).
Uma das mulheres me pede para sentar e erguer a manga direita da camiseta. Tenho a força de ânimo para contestá-la: não pode ser no outro braço? Ela me informa que o Ministério da Saúde só permite vacinas no braço esquerdo em casos de problemas de saúde no braço direito – ou tatuagens. Sinto vontade de rir, mas consinto, já tem gente demais desacreditando as instruções das autoridades nacionais e internacionais de saúde.
Quando ela limpa meu ombro com um algodão seco, todavia, lanço um novo desafio: e o álcool, cadê? Pergunto porque estou mais preocupado comigo do que com a possibilidade de incomodá-la. Uma outra mulher responde: aparentemente, desinfetar o local da injeção com substâncias voláteis diluía o veículo do imunizante e, portanto, mitigava seu potencial. Nova vontade de rir, novo consentimento. Eu que não ia discordar da ciência – vai que, dali a pouco, eu começava a achar que vacina causava autismo?
Picadinha. Novo algodão (seco). Pressão no braço. Nossa, nem sangrou! Vou embora do Posto sob efusivas despedidas – curitibano também pode ser muito caloroso, sim. Não volto a encontrar a menina que, instantes antes, silenciava em terror. Já não me aflijo: intuo que, um dia, ela também haverá de aprender a expressar suas demandas e temores. Para alguns males só o tempo é antídoto. Para outros, felizmente, existe vacina. Enquanto espero pelo motorista do aplicativo, começa a chover. Percebo que meu braço lateja, mas não me importo. Em até quinze dias, sob renovadas imunidades, a vida voltará a fluir com segurança.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
As Crônicas de Uma Relação Passageira conta a história do romance entre Charlotte (Sandrine Kiberlain) e Simon (Vicenti Macaigne) que se conhecem em uma festa. Charlotte é uma mãe e solteira, já Simon é um homem casado e sua esposa está grávida. Eles se reencontram num bar e começam um relacionamento repleto de percalços. Ela é mais extrovertida, pouco preocupada com o que os outros pensam. Ele é mais tímido e retraído. A princípio, os opostos realmente se atraem e ambos concordaram em viver uma relação apenas de aventuras, mas tudo se complica quando os dois criam sentimentos um pelo outro e o que era para ser algo muito bom, acaba se tornando uma relação perturbadora.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Dirigido e roteirizado por Pat Boonnitipat, a trama dessa ficção emocionante, Como Ganhar Milhões Antes que a Vó Morra, acompanha a jornada do jovem When M (Putthipong Assaratanakul), que passa a cuidar de sua avó doente chamada Amah (Usha Seamkhum), instigado pela herança da idosa. O plano é conquistar a confiança de sua avó, assim será o dono de seus bens. Tendo interesse apenas no dinheiro que Amah tem guardado, When resolve largar o trabalho para ficar com a senhora. Movido, também, por sentimentos que ele não consegue processar, como a culpa, o arrependimento e a ambição por uma vida melhor, o jovem resolve planejar algo para conseguir o amor e a preferência da avó antes que a doença a leve de vez. Em meio à essa tentativa de encantar Amah, When descobre que o amor vem por vias inimagináveis.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Um aspirante a escritor utiliza um alter ego para desenvolver seu primeiro romance. Em Sebastian, Max é um jovem de 25 anos que vive como escritor freelancer em Londres trabalhando com artigos para uma revista. Ter um livro publicado fala alto na lista de desejos do rapaz e, então, ele encontra um tema para explorar: o trabalho sexual na internet. Se a vida é um veículo de inspiração para um artista, Max corre atrás das experiências necessárias para desenvolver a trama de seu livro. Com isso, durante a noite, Max vira Sebastian, um trabalhador sexual com um perfil em um site no qual se oferece pagamentos por uma noite de sexo. Com essa vida dupla, Max navega diferentes histórias, vulnerabilidades e os próprios dilemas. Será que esse pseudônimo é apenas um meio para um fim, ou há algo a mais?
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Uma comédia em que grandes segredos e humilhações se cruzam e vem à tona. Histórias Que é Melhor Não Contar apresenta situações com as quais nos identificamos e que preferimos não contar, ou melhor, que preferimos esquecer a todo custo. Encontros inesperados, momentos ridículos ou decisões sem sentido, o filme aborda cinco histórias com um olhar ácido e compassivo sobre a incapacidade de controlar nossas próprias emoções. Na primeira história, uma mulher casada se vê atraída por um rapaz que conheceu em um passeio com o cachorro. Em seguida, um homem desiludido com seu último relacionamento se vê numa situação desconfortável na festa de um amigo. Na terceira, um grupo de amigas atrizes escondem segredos uma da outra. Por último, um professor universitário toma uma decisão precipitada; e um homem casado acha que sua mulher descobriu um segredo seu do passado. Com uma estrutura episódica, as dinâmicas do amor, da amizade e de relacionamentos amorosos e profissionais estão no cerne desse novo filme de Cesc Gay.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Lee, dirigido pela premiada cineasta, Ellen Kuras, vai contar a história da correspondente de guerra da revista Vogue, durante a Segunda Guerra Mundial, Elizabeth Lee Miller. O filme vai abordar uma década crucial na vida dessa fotógrafa norte-americana, mostrando com afinco o talento singular e a tenacidade dela, o que resultou em algumas das imagens de guerra mais emblemáticas do século XX. Isso inclui a foto icônica que Miller tirou dela mesma na banheira particular de Hitler. Miller tinha uma profunda compreensão e empatia pelas mulheres e pelas vítimas sem voz da guerra. Suas imagens exibem tanto a fragilidade quanto a ferocidade da experiência humana. Acima de tudo, o filme mostra como Miller viveu sua vida a todo vapor em busca da verdade, pela qual ela pagou um alto preço pessoal, forçando-a a confrontar um segredo traumático e profundamente enterrado de sua infância.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Prólogo do live action de Rei Leão, produzido pela Disney e dirigido por Barry Jenkins, o longa contará a história de Mufasa e Scar antes de Simba. A trama tem a ajuda de Rafiki, Timão e Pumba, que juntos contam a lenda de Mufasa à jovem filhote de leão Kiara, filha de Simba e Nala. Narrado através de flashbacks, a história apresenta Mufasa como um filhote órfão, perdido e sozinho até que ele conhece um simpático leão chamado Taka – o herdeiro de uma linhagem real. O encontro ao acaso dá início a uma grande jornada de um grupo extraordinário de deslocados em busca de seu destino, além de revelar a ascensão de um dos maiores reis das Terras do Orgulho.