Passarinho

Foto: Arquivo Pessoal

Durante uma mesa da programação oficial da Feira Literária Internacional de Paraty, um passarinho invade a tenda principal. De início, acho bonitinho, fico entretido com seu voo incansável. No ar, ele e algumas perguntas, a começar por: como é que o danado foi se enfiar ali dentro? 

Sacudo a cabeça e tento me concentrar no debate. Quatro mulheres, quatro escritoras. Na pauta do dia, literatura e desterro. É possível sobreviver no exílio?

O passarinho salta pelos fios da iluminação. Move-se rápido, não passa nem três segundos no mesmo lugar. Entrou naquele espaço e, só agora percebo, não sabe mais como sair. Seu alvoroço não é excitação, é desespero. Sem comida ou água, agita as asas num movimento suicida. Em quanto tempo passarinho morre de cansaço? 

No palco, a discussão segue indiferente ao nosso sofrimento – sim, porque agora sofro também eu. Não consigo mais prestar atenção no que as escritoras discutem. Ouço, de longe, comentários sobre órfãos nazistas, sobre refugiados, sobre fazer da língua uma pátria outra, menos material, mais perene. Faz sentido etimológico dizer que bicho de asa se desterra?

Ambiente estranho, entorno hostil. O passarinho não conhece nenhum daqueles barulhos, nenhuma das luzes artificiais que lhe vulneram a vista. Desnorteado, continua a voar em frenesi. Para retornar a de onde veio, bastava que escapasse por uma das aberturas laterais da tenda. Tenho vontade de gritar “por ali, bicho estúpido! A saída é por ali!”. Será que ele não percebe como é fácil? 

Palmas. A mesa termina, os dias mágicos que passei em Paraty terminam. Como a literatura me faz sentir em casa, como é bom, ainda que por tão pouco tempo, não me sentir um degredado de meus próprios dias. Mas a vida real chama, e das obrigações e do trabalho que a gente tem que fazer para pagar as contas, aí sim, é muito difícil fugir. Muito, muito difícil. Extremamente difícil. Impossível. Impossível mesmo. Não há escapatória. Existe mesmo quem pense o contrário?

Quanto ao passarinho, não sei que fim levou. A essa altura, já não posso me dar ao luxo de me importar com ele. A vida real chama, não há escapatória. E outra: era só um passarinho. Não é como se fosse gente – ou é?

Por Pedro Jucá
30/11/2022 15h06

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