As inseguranças dos 30 com Andrew Garfield no musical “Tick, Tick… Boom!”

Foto: Divulgação/Netflix

Se você está na faixa dos trinta anos de idade e sente-se totalmente realizado pessoal e profissionalmente, maduro e com a cabeça no lugar, pode ter certeza que você é a exceção. Nessa faixa etária, a maioria espera já ter “resolvido” a maior parte da sua vida, e frustra-se quando percebe que a realidade passa bem longe disso. “Sou jovem pra ser velha e velha pra ser jovem”, já cantava Sandy “Naquela dos 30”. Essa temática com a qual tantos se identificam em um momento ou outro é tratada no filme musical “Tick, Tick… Boom!”, dirigido por Lin-Manuel Miranda (“Hamilton”), estrelado por Andrew Garfield (“O Espetacular Homem-Aranha” e “A Rede Social”), com roteiro de Steven Levenson (“Dear Evan Hansen”). Para os fãs, fica a dica: Vanessa Hudgens (“High School Musical”, “Grease: Live”) também integra o elenco.

Disponível na Netflix, essa obra reuniu em um só filme muitos pontos pelos quais eu, especialmente, sou apaixonada. Já contei por aqui sobre meu amor por musicais, que ficou ainda mais forte quando conheci Lin-Manuel Miranda. Para relembrar, além dele ser o responsável por um dos maiores musicais de todos os tempos – “Hamilton” – ele escreveu as músicas do filme da Disney “Moana” e, mais recentemente, “Encanto”. A obra é a estreia do artista multifacetado como diretor, na qual foi responsável por traduzir em longa-metragem um personagem com quem ele muito se identifica – o compositor Jonathan Larson. 

Larson é muito conhecido por escrever um musical que foi responsável por revolucionar o gênero quando foi lançado. “Rent” estreou na Broadway originalmente em 1996, e mudou o tipo de personagens e histórias que poderia ser traduzidas para este cenário. Trouxe o rock para os palcos de Nova York, e contava a história de jovens que lidavam com preconceitos e racismo, em uma época na qual muitos sofreram com a sombra do HIV. Ficou em cartaz por 12 anos na Broadway, e tornou-se um dos musicais mais bem-sucedidos na história. No entanto, Larson nunca viu o sucesso do seu trabalho com seus próprios olhos, pois morreu antes da estreia do musical na Broadway por conta de um problema de saúde.

Nesse clipe logo abaixo, dá para conferir os primeiros 10 minutos da adaptação ao cinema da obra, de 2005, que já abre com a mais icônica canção do musical – “Seasons of Love”:

Antes de partir para “Rent” ele escreveu “Tick, Tick… Boom!”, um musical parcialmente autobiográfico no qual ele conta sobre as frustrações ao perceber que havia passado anos escrevendo um musical que nunca seria visto. Trata-se de um “monólogo rock”, algo inédito nos palcos do teatro na época, que foi apresentado pela primeira vez no início dos anos 90. Nele, ele fala das preocupações ao fazer 30 anos e perceber que ainda não havia alcançado nada do que ele gostaria. Ele se compara com amigos bem-sucedidos que optaram por carreiras mais tradicionais, e se questiona a respeito do caminho da sua vida.

Qualquer pessoa que gosta de musicais e teatro se apaixona pelo trabalho de Larson, e isso não foi diferente com Lin-Manuel Miranda, que viu muito de sua própria vida e trajetória no compositor. Ele já havia falado publicamente sobre o quanto a história do musical “Tick, Tick… Boom!” o inspirou, e ao ser procurado para o projeto, imediatamente se interessou.

No longa, Andrew Garfield mostra um novo lado ao se apresentar cantando, tocando piano, em uma atuação muito especial e inesquecível. Ele entrega o melhor de si, e o trabalho do ator é um dos pontos mais fortes da obra. Ao lado, é lógico, das composições de Larson, que são emocionantes. 

Em “Tick, Tick… Boom!”, percebemos a obsessão pelo tempo presente no trabalho de Larson, e que depois aparece nas composições de Miranda. Enquanto em “30/90”, ele diz:

“They’re singing, “Happy birthday” (Eles estão cantando, ‘Feliz Aniversário!’)

You just wanna lay down and cry (Você só quer deitar e chorar)

Not just another birthday, it’s 30/90 (Não apenas outro aniversário, é 30/90)

Why can’t you stay 29 (Por que você não pode permanecer com 29?)

Hell, you still feel like you’re 22 (Diabos, você ainda se sente com 22)

Turn 30 in 1990 (Fazer 30 anos em 1990)

Bang! You’re dead, what can you do? (Bang! Você morreu, o que pode fazer?)

Além das inseguranças por ainda não ter se estabelecido em sua vida profissional, as incertezas da vida devido às questões de saúde na época também se fazem muito presentes. Em “Rent”, Larson escreveria posteriormente na canção “One Song Glory”:

“Find (Encontre)

The one song (Aquela canção)

Before the virus takes hold (Antes que o vírus pegue)

Glory (Glória)

Like a sunset (Como um pôr-do-sol)

One song (uma música

To redeem this empty life (Para redimir sua vida vazia)

Time flies (O tempo voa)

And then, no need to endure anymore (E depois, não há porque aguentar mais)

Time dies (O tempo morre)”

A temática era bem diferente, mas o tempo volta a aparecer como protagonista  em “Hamilton”, composto por Lin-Manuel Miranda, na canção “Non-stop:

“Why do you write like you’re running out of time? (Por que você escreve como se estivesse acabando seu tempo?)

Write day and night like you’re running out of time? (Escreve dia e noite, como se estivesse acabando o tempo?)

Every day you fight, like you’re running out of time (Todo dia você luta, como se estivesse acabando o tempo?)

Keep on fighting, in the meantime- (Continue lutando, e enquanto isso-)

(Non-stop!) (Sem parar!)”

As semelhanças são muitas, e a obra leva um tom extra de autobiografia ao retratar um pouco do criador e do diretor, ao mesmo tempo. No entanto, mais importante que isso, o filme conseguiu retratar o que eu vejo de mais especial em um musical. Além de ser capaz de traduzir em sentimentos temas importantes de uma forma muito diferente, que realmente toca o coração, ele vai “crescendo”. Enquanto você assiste, é como se você fosse transportado para aquele universo, que termina com a épica canção final, na qual você já está a um passo de cair em lágrimas. 

O trabalho não só de Miranda, Garfield e de todo elenco, faz com que uma história focada em um nicho se torne universal e tocante para todos. As músicas, que são o ápice do trabalho de Larson, são atemporais. Não há como não se emocionar. Perfeito para curtir os dias de folga que estão por vir, e vale a pena conferir a trilha sonora completa, disponível nas plataformas de streaming.

E você, me conta qual o seu musical favorito?

Por Angela Antunes
17/12/2021 17h40

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