A Moça?.docx

Foto: Nappy

Foi numa dessas viajadas matinais pensando em personagens e cenas e tramas e etc que a conheci.

Do alto da minha varanda atirada no sofá de sempre ainda bebericando o café com leite morno que só tomo morno pelo trauma das inúmeras queimadas de língua, meus olhos fitaram uma moça atravessando a rua. Não sei o que me prendeu tanto. Mas acompanhei seu atravessar do descer ao subir do meio-fio.

Aqui digo moça porque com minha miopia que é ridícula de pequena mas que já me impede de ver feições a longas distâncias não saberia precisar se era uma guria de vinte e pouco, cinquenta e pouco ou sei lá quantos poucos. Então por ora, decido por moça. E a moça enxerga bem.

Mas voltemos. Uma moça de cabelos supercompridos e escuros (isso deu pra ver bem aqui do alto porque eram supercompridos tipo, mesmo. Daqueles que quase batem na bunda). Decido mantê-los. Também mantenho entre seus figurinos o vestido bordô até a canela e de mangas também longas.

Ela atravessava a rua numa constância tranquila e relativamente lenta diferente dos outros transeuntes que mesmo na faixa e com o sinal vermelho pros carros davam uma aceleradinha pra dar tempo de cruzar a via rápida sem dar ruim. Ela não. Ia num desfile como se atravessar a rua fizesse parte do passeio.

Logo indago sua reação se algum louco passar no embalo do sinal recém aberto com ela ainda no meio do trajeto. Na certa aos berros lançaria o guarda-chuvas em direção ao carro.  Sua calma chega à explosão em segundos, ficou tanto tempo muda que quando alguém tenta furar sua bolha de paz: ativa a dinamite.

Ah sim, o guarda-chuva. A moça atravessava a rua com um guarda-chuva também no tom vermelho e de longe vejo uns pontos escuros, então um guarda-chuva vermelho com bolinhas pretas. Queria dizer que era um dia de puta sol, o que causaria talvez maior estranheza na moça estar andando com guarda-chuva e vestido compridão de mangas longas e justificaria ter despertado minha atenção. Mas não, caia um aguaceiro quase torrencial – com o perdão dos meus exageros – então nada mais natural que estivesse ali, com um guarda-chuvas.

No fim, sei lá se foi o vestidão bordô ou o cabelão escuro quase na bunda ou o andar meio lento e concentrado ou a personalidade explosiva ou o guarda-chuva de bolinhas ou o fato de enxergar super bem, mas Marta prendeu meu olhar.

E pensando bem, Marta não é uma moça, é uma senhora.

Por Raisa Gradowski
20/10/2022 16h13

Artigos Relacionados

Capítulo 13.docx

Miragem.docx