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Foto: Nandhu Kumar/Unsplash

Pela areia fininha e pelando que formaria bolhas na sola do pé se eu não tivesse a prudência de atravessar de havaianas depois dos anos de experiências de dias urrando de dor ao pisar no chão, ela surge saltitante e – poderia talvez dizer – sorridente.

O choque da troca de olhares foi espelhado. Ambas paralisamos. Eu: curiosa e atingida por certo grau de espanto. Ela: receosa?  desconfiada? Não dá pra saber, só sei que diminuiu a marcha até parar. 

As duas gurias de uns treze que a acompanhavam corriam berrando seu nome de um lado pro outro da faixa de areia banhada pelo braço de rio que divide os baianos dos sergipanos – só na certidão de nascimento. 

Nem a galerinha debaixo do guarda-sol a poucos metros da minha cadeira, nem os dois caras atrás do quiosque e nem o casal de duas meninas esticadas em cangas mais afastadas do resto, deram a mínima atenção. Mas eu, como uma bela piá de prédio, fiquei boquiaberta com a miragem que via. 

Bem ali, na praia dela, onde foi gravada a novela que – descubro agora – tem minha idade, bem ali no Mangue Seco. Tieta, a cabrita (que era uma cabrita mesmo).

Ato contínuo ao meu espanto, fiz novamente o que uma bela piá de prédio faria: meti a mão no celular pra tentar uma foto – que até saiu, considerando a licença poética. Girei mais a cadeira em sua direção e abaixando as mãos tentei chamar Tieta intercalando entre assobios e estalos e palmas, mas nem a orelha mexia. Continuava apenas parada. Me olhando. 

Já estava com o suor concentrado entre o nariz e a boca que só seca de verdade depois de secar um copo. Me dei conta que Tieta não viria e voltei a olhar para o rio. Peguei a cerveja no isopor depois de esticar a canga ao lado da cadeira para me estatelar na areia na tentativa imaginária de armazenar o sol na pele – às vezes parece que meu corpo só funciona com energia solar. 

O tec do lacre rompendo espumou a cerveja e dei um gole generoso já que cerveja gelada na beira da praia só é realidade no primeiro gole e ainda com a cabeça jogada pra trás tusso e babo num susto. 

Como se fosse uma barra de esporte olímpico, Tieta pula a cadeira ao meu lado dando belo dum behhh, trota até a beirinha do rio como se quisesse molhar os tornozelos e volta a fixar o olhar em mim – ficando congelada debaixo do sol. 

Por Raisa Gradowski
20/09/2022 14h14

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