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Foto: Canva

As janelas do quarto vibram golpeadas pelas rajadas de vento em direções distintas. O barulho da chuva pesada batendo contra o asfalto e calçada e parede dos prédios geralmente não a deixaria dormir. Mas dessa vez, seu corpo que não aguentou nem até meia noite, segue atirado na cama com o pescoço relaxado, talvez já formando um pequeno acúmulo de saliva ao lado da boca ignorando o alvoroço inquietante lá fora. Tudo permanece no mesmo compasso, sem raio ou trovão, quando seus olhos abrem abruptamente. No relógio sob a cabeceira: duas e dez da madrugada de treze de julho. Exatos trinta e quatro anos da hora de seu nascimento. 

Quando vê o horário sente um frio no corpo (porque está frio mesmo, lá fora uns dez graus) e faz a coisa mais óbvia a ser feita no momento: chacoalha S. capotada ao seu lado e Uhuul! É oficialmente meu aniversário!. S. entra no embalo num ritmo bem mais animado do que se espera de alguém com o sono interrompido do nada de madrugada e festeja cantando um mini parabéns. Segundos depois ambas dormem, até o dia nascer. 

Assim que levanta da cama fica buscando desconfiada em cada esquina da casa a tal fadinha mágica da maturidade prometida. Tinha lido num site de numerologia confiável indicado por um amigo mais confiável ainda que agora iniciava o segundo dentre os três ciclos da sua vida. Tchau juventude (que ela preferia chamar de pós adolescência) e oi maturidade (que preferia chamar só de vida adulta mesmo). 

Ela finge que não está preocupada com os anos passando numa velocidade absurda, mas está. Dá uma pausa pra refletir sobre sua vida até agora e aquela coisa toda de passar do tempo e do que fez e o que não fez, mas no fim não desenvolve. De maneira incrível, parece estar bastante no presente.  

Como todas as manhãs que consegue, senta pra escrever e tenta apagar o zumbido do vento aflito que passa pelas frestas da janela colocando pra tocar Calle 13, pra combinar com o treze do dia – gosta dessas bobagens. 

Está lá no tecla-tecla ainda meio focado meio distraído quando a ventania empurra pra longe as nuvens que encobriam o céu. O sol direto no seu rosto faz a visão piscar com a claridade fulminante. Ela pensa que pode ser a fada. Para um pouco. Vira o rosto em direção ao sol e nesse exato instante sente a alma esquentar (numa breguice toda mesmo), e volta à tela iluminada do computador.    

Por Raisa Gradowski
13/07/2023 14h32

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