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Foto: Canva

Duas frescuras brabas carrego nessa vida: não como cebola (só triturada bem escondidinha na comida e mais importante sem eu saber) e não aguento banho frio, mesmo num veraozão da porra a água tem que estar pelando. Nem precisava ter me exposto com a cebola porque esse texto é sobre a segunda frescura. Mas já que mencionei, procuro indicações de hipnose. 

Coincidiu, é claro, com a caída brusca da temperatura em Curitiba há algumas semanas: o aquecedor de água resolveu se insubordinar. Era eu estar sozinha em casa que ele não acionava a chama quando eu ligava a água quente do chuveiro. 

Nas primeiras vezes, eu abria a torneira do chuveiro e tirava a roupa esperando a água ficar quente. Depois dos mil abre-e-fecha frustrados, quando percebia que não ia esquentar, correndinho até a cozinha ligava a torneira da pia (macete pra acionar o aquecedor), e depois voltava ligar o chuveiro, novamente até a cozinha desligar a pia e enfim, banho quente. Nas outras vezes aprendi a esperar a água esquentar pra tirar a roupa.  

Domingo de manhã. Lembro do dia da semana porque minha namorada estava na academia e eu depois ficaria indignada dela ter ido pra academia no domingo. Devia tá lá uns dez graus e um tempo horroso e cinzento, não ensolarado bonitão desses de outono que tem feito. 

O vapor engloba o banheiro quando entro embaixo d’água já bem quente. Pele meio ardendo, rosto certamente vermelho, encho o cabelo de xampu fazendo bastante espuma (odeio xampu que não faz espuma). Estou lá, na curtição daquele momento prazeroso e relaxante, provavelmente divagando sobre qualquer coisa idiota quando começo a sentir os pingos mornos, frios, e depois gelados. 

Saio rápido debaixo do jato de tortura e fecho a torneira. Ainda dentro do box, ligo o chuveiro de novo. E desligo. E ligo. E desligo. E ligo. E minha namorada não volta da academia. E desligo. E meu cabelo cheio de espuma. E ligo. E os dedos dos pés roxos, pernas e queixo tremendo. E desligo. E nada dela voltar da academia no domingo academia fucking domingo. E ligo. E o desespero de ter que enfiar pelo menos a cabeça embaixo daquele freezer me treme cada vez mais rápido. E desligo. 

Uma lágrima quente escorre no meu rosto e quase tenho uma crise de choro só pra me aquecer. Quando estico o braço pra abrir a torneira e enfrentar o gelo pra tirar o xampu, desisto e saio do box.

 Me enrolo na toalha e pingando pela casa corro pra cozinha. Atravesso o quarto o corredor e na sala, as janelas todas escancaradas (pra arejar né? Dez deliciosos graus). Inteira tremendo quase recuo pra opção cabeça no gelo. Mas a miragem do banho quente me acomete e sigo pra torneira da pia. 

Macete funciona, só na segunda tentativa. 

Ufa. A água fervendo me lembra porquê dessa frescura que não abro mão. Até sorrio com a compensação pelos minutos prévios terríveis. Eu ainda estou embaixo da água tirando o resto do xampu quando ela surge no banheiro:

Nossa, ainda tá no banho? 

Por Raisa Gradowski
25/05/2023 16h34

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