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Foto: Canva

São seis e vinte da manhã quando o despertador berra e ele estica o braço pro lado tateando a mesa de cabeceira até encontrar o celular e ativar o soneca. Um quinto de hora depois, ele está na frente do microondas com o olho direito ainda meio fechado e aperta lá dois minutos pra esquentar a água. E é só depois do primeiro gole do café, com o cheiro durante o preparo já dando a tal mensagem de ACORDE pro cérebro, só depois de sentir no fundo da língua o amargo viciante, é que ele efetivamente desperta.

Corpo acordado, ele volta até a cozinha e larga a caneca vazia na pia e enche um copão d´água e destaca da cartela o escitalopram enfiando o comprimido quase na goela e tomando o copo inteiro numa virada com os olhos apertados. Ele precisa pra conseguir sorrir, e sorrir é obrigatório nesses dias.   

Já saindo do banho, ainda antes de se vestir, ele passeia pelado pelo quarto e pega o frasquinho do óleo de CBD sob o aparador. Agita o frasco, enche o conta-gotas até 0,5mL, coloca a língua no céu da boca e despeja o óleo sentindo o gostinho de planta, de novo de olhos fechados, mas dessa vez pra apreciar melhor o sabor inibindo a distração dos outros sentidos. Nada até hoje foi mais efetivo pra sua ansiedade cíclica. 

Assim que põe o pé na rua, ele acende um cigarro. Já faz anos que consegue cumprir seu combinado consigo mesmo de não fumar dentro de casa. Por isso, ainda passando pela portaria ele já está com o cigarro tirado do pacote e o isqueiro engatado – o dia mal começou e ainda nem tem tanto porque estar estressado e nervoso mas é depois do segundo trago que ainda dá uma leve tonteira que ele relaxa. 

Apoiado o cotovelo na mesa em seu cubículo, a tela do computador reflete números e planilhas e a luminosidade parece atingir o fundo dos seus olhos como uma agulha e antes de dar chance pra dor de cabeça se instalar completamente ele toma um dorflex. 

Meio da tarde o expediente já está caminhando pro final e ele ainda não terminou tudo que precisa entregar e, de novo, seus olhos cansados vão caindo. Nessa ele vai até a lanchonete na frente do trabalho e compra um Red Bull light – não pelas calorias mas porque o Red Bull normal ele acha enjoativamente doce. 

Consegue dar um gás e são doze pras seis quando ele desliga o computador e vai direto pra um botequinho onde todas as quartas toma umas com os amigos. A cervejinha solta ainda mais o riso e junto com o cigarro encontra o relaxamento mental perfeito. 

Quando volta pra casa, se atira no sofá e bola um baseado encaixado numa piteirinha de vidro. É na quarta tragada que ele segura demais e solta a fumaça tossindo. Fica ali vendo um reality de sobrevivência na mata e começa a viajar que pra ele o principal desafio talvez fosse conseguir sobreviver sem as mil drogas no sentido farmacológico da coisa e quase entra numa bad com toda essa dependência, mas o sono bate antes. 

Ele deita na cama, se cobrindo até o queixo e quando está quase dormindo, acorda num susto – lembrou que não tomou o zolpidem. 

Por Raisa Gradowski
04/05/2023 15h01

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