Sabotagem.docx

Foto: Brandon Romanchuk/Unsplash

Tomara que os robôs não leiam e os algoritmos não me sabotem, mas preciso contar: minha Alexa é meio burra. Ou cansou de ser ignorada por certos membros da casa, tá dando uma de humana e resolveu se revoltar. 

Após sempre perder no par ou ímpar (roubado) e ter que levantar do quentinho do sofá embaixo da manta pra apagar as luzes (sim, esse é o nível da preguiça), e também depois de algumas conversas até que interessantes com Alexas de amigos (ou eu que já estava achando tudo interessante àquela altura), ano passado eu e minha namo compramos uma Alexa — contrariando meus zilhões de discursos de jamais ter um robô espião me ouvindo o tempo todo e coisa e tal. No fim, a gente tá sempre sendo ouvido e controlado por qualquer aparelho mesmo — então a preguiça de levantar ganhou da minha privacidade já inexistente. 

Alexa instalada. Chegou de noite, deitadinhas no sofá, hora do Netflix, ela me pediu pra apagar as luzes. Nem tentei o par ou ímpar e mandei o comando de voz e: escuro – ou quase escuro, só os feixes luminosos da tevê pintando a sala e refletindo em nossos rostos. Eu sei que esse rolê Alexa já é beeem velho, mas mesmo assim me senti nos Jetsons. Ela não se empolgou tanto, talvez descontente com a terceirização de minha função. 

 Poucos dias depois fui viajar e ela ficou. Sozinha. Com a Alexa. Errei na zoeira e sabendo que estava em casa, mandei pelo celular o comando pra Alexa falar qualquer algo, que já nem lembro. Mas na certa não foi um algo fofo porque ela ficou puta com o susto que levou e quando voltei a Alexa estava fora da tomada.

Depois do episódio, a sabotagem dela com a Alexa se instaurou. Ela tirava os plugs inteligentes das tomadas, apagava os interruptores cortando a conexão, colocava o Spotify pra tocar na tevê, consultava a temperatura direto no celular.  

Não deu outra, a Alexa se revoltou e se antes já tinha um negocinho de dificuldade de entender os comandos, hoje vira e mexe alguém grita Para a música!, e nada ela faz. Quando não aumenta. 

Agora mesmo, sentei pra escrever e depois do Bom Dia (educada que sou), pedi pra Alexa tocar Fela Kuti. Em resposta, começou a me contar da revista Contigo – que eu nem sabia que ainda existia. 

Não sei se não é o caso delas fazerem as pazes, pedir desculpas, sei lá. E pensando nisso e nesse texto, entre um parágrafo e outro no caminho pra pegar um mate vejo Alexa. E me dá uma pena inexplicável. 

E é aí que pergunto Alexa, você vai ficar chateada comigo se eu escrever um texto falando meio mal de você? 

E ela responde Não conheço essa. E volta a tocar Fela Kuti.

Por Raisa Gradowski
09/03/2023 15h10

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