Querido prefeito: falar de gastronomia é falar de política

Toda decisão é política.

Você optar hoje por vestir uma calça é uma decisão política.

Uma mulher optar hoje por vestir uma calça é uma decisão política com efeito mais intenso.

Uma mulher optar por vestir uma calça na década de 1930 era uma decisão política com efeito ainda mais intenso.

Todas as escolhas que você faz e até as que deixa de fazer influenciam politicamente no seu meio social com diferentes graus de intensidade e reação. Então não se iluda de que você não discute política, porque essa aparente abstenção é apenas mais um posicionamento político.

Alguém que discutia política como ninguém e sem medo foi Oswaldo Aranha. Ex-ministro do Presidente Getúlio Vargas e estadista de carreira, Aranha foi um dos responsáveis por articular a revolução brasileira de 1930, de presidir a histórica sessão da ONU que garantiu a partilha da Palestina e a criação do Estado de Israel e de dar nome a um dos pratos cariocas mais tradicionais e conhecidos, o Filé à Oswaldo Aranha.

Aranha também foi responsável por ter filhos, que depois tiveram filhos, que depois tiveram filhos e um deles resultou em Isabel Aranha Coelho, ou Bel Coelho, como é mais conhecida pelos frequentadores de seu restaurante e pelos espectadores do programa Receita de Viagem, do canal TLC Discovery. E ela pode não ter seguido na vida pública como o bisavô, mas mantém o mesmo fervor político, só que usando a gastronomia e um meio mais gostoso como plataforma.

Mas antes de falar mais da Bel, vamos falar de uma coisa chamada Restaurateur.

O termo restaurateur vem do francês, como tudo aquilo a que se refere a alta gastronomia, e designa, de modo simplificado, o proprietário do restaurante e aquele que rege o lugar. Assim como o chef, o restaurateur é uma figura de destaque num restaurante e um dos links mais importantes com o público. Às vezes pode inclusive ser o próprio chef. Como o lucro de um restaurante é inversamente proporcional à qualidade da comida que oferece e o público é difícil de conquistar, o restaurateur precisa pensar em estratégias para tornar o negócio viável, para cativar e fidelizar o público e para tornar a experiência do restaurante a melhor possível.

E por que o restaurateur é importante? Porque perceber a crescente importância dessa figura e o destaque dela significa um aprimoramento de mercado, um passo além em direção a algo maior.

Títulos são importantes porque eles enfatizam a importância de algo. Um duque tem a importância de um duque porque um soberano outorgou-lhe essa importância. Um restaurateur precisa ser entendido como tal para que a importância da sua presença seja sentida, aproveitada e movimente o setor.

Quanto mais vezes o cliente retorna ao restaurante e quanto mais tempo ele permanece no estabelecimento, mais acertadas estão sendo as ações do restaurateur. E essa é a melhor forma de avaliar o sucesso de um lugar: ninguém fica muito tempo num lugar em que não se sinta totalmente à vontade. Permanência e afeto estão diretamente ligados.

Em certas situações, o restaurateur agrega também a função de curador. E aí está outra função extremamente política. Uma curadoria propõe um recorte, decide mostrar algo em detrimento de outro algo, tendo em vista objetivos tanto financeiros, quanto educativos, artísticos, mercadológicos e experimentais. Essa é uma das coisas mais belas da gastronomia. E é isso que propõem os sócios Fernando Porto, Ricardo Voigt e Cristiano Chiaramonti, donos do recém-inaugurado Restaurante Pop-Up e restaurateurs com vasta experiência.

Curitiba já tem inúmeras opções de restaurantes de grande qualidade, com todos os tipos de culinárias, e a chegada do Pop-Up, no Shopping Pátio Batel, era o que faltava para colocar a cidade ao lado de São Paulo como os destinos gastronômicos mais empolgantes do Brasil.

A ideia de Porto, Voigt e Chiaramonti, para o Pop-Up é simples: um restaurante temporário. A cada período, 3 meses mais ou menos, um novo chef de renome é convidado pela dupla para assumir a cozinha e assinar o menu. Por um valor fixo de R$ 120,00, o público pode escolher uma entrada, mais o prato principal e a sobremesa dentre as opções disponíveis e ter uma experiência que só conseguiria fora daqui.

Imagine um chef famoso que você admire bastante. Muito provavelmente ele ou ela virá em alguma das etapas futuras.

E a primeira convidada é a chef Bel Coelho. E não poderia ter escolha melhor.

Indo ao encontro dos anseios dos restaurateurs do Pop-Up, a chef tem uma grande preocupação em educar o paladar do público e uma luta incansável por uma alimentação saudável, orgânica e totalmente livre de veneno.

O que você ingere é uma ação política. Ou uma imposição política. Uma dieta baseada em baixo consumo de nutrientes e grande quantidade de sódio e gordura não é uma falha pessoal, pois muito provavelmente seja resultado de uma construção social e econômica que não dá conta de oferecer comida saudável para todos.

Chegar a um nível social que nos possibilita comprar Big Mac e lasanha congelada com regularidade só é algo positivo porque existe um grande marketing por trás que faz parecer dessa forma, quando, na verdade, é apenas uma estratégia para enfiar comida barata e de baixa qualidade nas pessoas. E é contra esse sistema que a chef luta, sempre deixando claro em seu discurso a necessidade de alimentar bem as pessoas.

Além disso, ela tem uma predileção por ingredientes regionais e uma cozinha com a cara do Brasil. E o brasileiro precisa aprender a gostar da sua culinária e se acostumar a ver uma versão de alta gastronomia de seus ingredientes clássicos e únicos.

O Clandestino, restaurante da chef, que fica em São Paulo, só funciona uma semana por mês. As outras semanas são destinadas à descoberta de novos pratos, ingredientes e possibilidades que a cozinha pode oferecer, incluindo os erros. É um trabalho vanguardista árduo de pesquisa e educação alimentar, que muito provavelmente traga retorno financeiro mínimo e satisfação máximo.

O que se vê no Pop-Up é uma síntese acessível dessa experiência. O menu inclui tapioca, pescada, farofa, cupuaçu, cumaru, castanha do Pará e até pinhão, o queridinho dos curitibanos. Inclui também a versão que a bisneta criou para o Filé Oswaldo Aranha. Tudo orgânico. Tudo brasileiro. Tudo político.

Como entrada há duas opções, a Salada de Cogumelos, uma versão quentinha com cogumelos grelhados, creme de cogumelos, pinhão moído e farofa de milho tostada, e a refrescante Salada Vermelha, com beterraba assada, tomatinho, manjericão, ar de melancia, lascas de amêndoa e queijo feta – a mesma receita que a chef ensinou a fazer em um dos episódios do MasterChef Junior.

O prato principal pode ser o Risoto de Paio, servido com couve manteiga para dar leveza ao prato, ou a Pescada Amarela, com pupunha assada e molho de castanha, ou ainda o Meu Filé Oswaldo Aranha, com filé mignon, chips de batata calabresa, purê de batatas e um leve purê de alho, substituindo o clássico alho frito por cima da carne.

De sobremesa, a Espuma de Chocolate, com doce de cupuaçu, creme de cumaru, e farofa de castanha, ou o Tartare de Abacaxi, com tapioca, coco brulée e baba de moça.

São pratos geniais, ufanistas e extremamente gostosos. E o divertido é voltar para experimentar todos. Mas se você só tiver uma chance de ir e não quiser errar, escolha os cogumelos de entrada, a pescada em seguida e feche com o tartare de abacaxi. Não há erro. São tantos sabores, aromas e texturas diferentes que compõem juntos de uma forma tão linda que chega a emocionar. É possível perceber a reação de felicidade das pessoas ao provarem os pratos pela primeira vez.

E pense: quando foi a última vez que você experimentou algo que te trouxesse uma sensação parecida?

É um tipo de comida afetuosa. Por isso essa combinação de Bel Coelho com os restaurateurs Fernando Porto, Ricardo Voigt e Cristiano Chiaramonti foi perfeita. Tudo gira em torno do afeto. Do modo como as pessoas são recebidas com sorrisos e atenção, ao ver a chef satisfeita andando pelo salão e conversando com os clientes, ao experimentar pratos replicados com cuidado e maestria.

E se você não liga para a poesia da gastronomia, vai comer bem da mesma forma, mas perdendo nuances ricas que fazem a vida valer à pena.

E depois de três meses tem mais.

Essa é só uma primeira etapa para ganhar as pessoas e posteriormente poder oferecer uma experiência completamente nova. E talvez até errar na escolha de um dos convidados, o que torna tudo mais empolgante, como um jogo.

A proposta é boa para o público, que terá novidades constantes e sabores incríveis ou, no mínimo, curiosos para provar. Boa para o chef convidado, que vai conseguir atingir uma nova parcela consumidora. E boa para Curitiba, que agora precisa aprender a aproveitar tanta riqueza gastronômica.

Falando (mais) em política e imbuído do espirito Aranha…

Curitiba, abril de 2018.

Caro prefeito Rafael Greca,

Há muito que Curitiba não é mais destaque em mobilidade, nem em inovações urbanas. E, sim, fomos pioneiros ao destacar as questões ecológicas, parques, áreas verdes e projetos de diminuição do lixo da cidade, mas ninguém mais vem nos visitar para conhecer a estufa do Jardim Botânico. Essas são vitorias de um passado de ouro nosso.

Mas há um futuro de ouro possível, que virá da comida e de tornar Curitiba o centro nacional tanto da alta, quanto da baixa gastronomia. É preciso focar as políticas públicas de turismo nessa área. Vamos seguir o bom exemplo do Peru, que há décadas colocou na cabeça que seria capital gastronômica do mundo e conseguiu! Quem imaginaria que um país da América Latina poderia algum dia ganhar esse título da França? Alguém no Peru imaginou. E deu certo.

Por isso, acho que o mesmo pode acontecer com o Brasil, começando por Curitiba.

Afinal, o que combina mais com o céu cinza curitibano? Passear no parque ou sair comer e tomar vinho? Pois é, acho que concordamos.

Nós temos Santa Felicidade, o Mercado Municipal, as feiras de rua, os polos gastronômicos, as ruas gastronômicas, os cafés, os restaurantes de alta gastronomia, os restaurantes de comida caseira, os restaurantes temáticos com todas as culinárias do mundo, os melhores produtores de alimento do Brasil, temos pinhão, barreado, Cine gengibirra e coisas novas a inventar. Nós temos Manu Buffara, que vai ser um dia o primeiro restaurante estrelado Michelin da cidade.

Até um restaurante do Fogaça, jurado do MasterChef, nós vamos ter (e eu já falei sobre como ele é bom aqui).

Se a gente combinar direitinho tudo junto, isso vira um sucesso. Caso contrário, vai se transformar numa grande bolha. E toda bolha estoura.

Então a gente pode marcar uma reunião, talvez lá no Pop-Up Bel Coelho, para discutir essa possibilidade e meios de implementar esse plano de dominação global. Que tal?

#GrecaGastronomico

O Restaurante Pop-Up fica no Shopping Pátio Batel, piso L4, e vai funcionar sempre de quarta a sábado, a partir das 19h. Como o lugar comporta apenas 52 pessoas, é preciso fazer reserva pelo telefone 41 3069-8301.

Por Dimis
18/04/2018 15h39