O meu pai sempre dizia que o estabelecimento comercial tem a cara do dono. Com isso ele queria dizer que a personalidade do proprietário influencia diretamente sobre o local, sobre os funcionários e sobre cada detalhe presente. Por isso, se os atendentes do mercadinho do bairro são sempre grosseiros e amargos, muito provavelmente eles não têm coisas amigáveis a dizer sobre aquele que lhes paga o salário. Já se a dinâmica do lugar é interessante e agradável, ela é reflexo de um comportamento que rege as leis internas daquele espaço.
Quando esse conceito é bem empregado (com a ajuda de uma boa assessoria e planejamento), a identidade do lugar se torna o produto principal oferecido ao público. Afinal, vários restaurantes vendem comida boa, mas nem por isso almoçar todo dia se torna uma experiência memorável.
E é essa experiência que se alcança ao ir conhecer os três restaurantes dos jurados do programa culinário MasterChef Brasil. O Arturito, da chef Paola Carosella, o Sal Gastronomia, do chef Henrique Fogaça, e o Le Bife, assinado pelo chef Érick Jacquin, proporcionam experiências únicas. Logicamente, toda experiência é única. Um homem não atravessa o mesmo rio duas vezes. Mas algumas experiências são mais únicas do que outras, principalmente aquelas que não se pode repetir muitas vezes por conta do preço.
Aliás, a primeira dúvida sempre é o preço. Quanto custa comer em um desses restaurantes? Depende do referencial. Para não ser deselegante e falar sobre dinheiro à mesa, vamos utilizar o Big Mac como moeda corrente. Atualmente, o quilo do buffet livre da esquina custa 1 Big Mac e serve 30 tipos de saladas e 10 pratos requentados. Provar um incrível pedaço de vitelo preparado no Sal Gastronomia, enquanto o chef Henrique Fogaça te olha com cara fechada e fala gírias paulistas ininteligíveis, está em média 3 Big Macs. No Arturito, você pode escolher o menu executivo do dia, com entrada, prato principal e sobremesa, por 2 Big Macs. Já optar por um corte nobre de entrecôte no Le Bife, com couvert, sobremesa e vinho, saí em torno de 6 Big Macs. Tudo vai da escolha do prato e dos acompanhamentos. É possível comer bem em qualquer um deles sem gastar muito.
É fato que o mistério em torno da alta gastronomia afasta uma parcela de público, seja por receio ou por considerar que exista todo um protocolo de comportamento, incluindo vários talheres e procedimento dificultosos. Na verdade, o protocolo é razoavelmente simples e já exercitado diariamente: você vai, senta, faz check-in, escolhe o prato, tira uma selfie, posta, come e paga.
Com um público gigantesco e cativo, os três chef elevaram a gastronomia ao nível pop, incentivando iletrados na cozinha a se arriscar a preparar massas artesanais e carnes com o ponto exato de cocção. Então é muita gente curiosa para experimentar as criações assinadas pelos chef. Por isso é importante fazer reserva com alguns dias ou até semanas de antecedência, ou ir por conta e arriscar uma mesa. Geralmente há uma cota de lugares não disponíveis para reserva e que são liberados por ordem de chegada. Nesse caso, optar pelo horário de almoço é mais sábio, por ser sempre menos concorrido.
Outro dilema. O que escolher? Siga seu instinto. Demore um tempo para analisar o cardápio. Pense se só prato principal saciará sua fome (quase sempre sim) e curiosidade (quase sempre não) ou se o couvert, entrada e sobremesa serão solicitados. Se a dúvida persistir, há uma artimanha clássica: pergunte. Estabelecer uma relação amigável com o garçom vai te ajudar muito, pois ele sabe tudo e poderá indicar o que de melhor será feito naquele dia, uma vez que os pratos tem uma variação por razão da sazonalidade dos ingredientes.
No caso do Arturito, por exemplo, o couvert é obrigatório. O pão orgânico feito com fermentação natural é um dos destaques do menu da chef Paola Carosella, reconhecida por seu talento na panificação. Em seguida, você pode abandonar completamente a dieta low carb e pedir uma das famosas empanadas de taioba, com ovo caipira e ricota. Na expectativa do prato principal, você pode perceber a arquitetura de linhas retas, com muita madeira, plantas e luz natural. No cardápio, a explicação com a origem dos ingredientes, prezando pelos orgânicos e de qualidade. É possível perceber a personalidade da chef que vemos na televisão em cada canto. O atendimento é cordial, ágil e um pouco frio. As pessoas nas outras mesas parecem curiosas, espiando na cozinha para ver se vislumbram a chef Paola. Mas ela não aparece. Só vai ao salão muito raramente, quando extremamente necessário. O prato principal, capa de ojo de bife, com feijão-manteiguinha e folha de taioba. A carne no ponto perfeito, finalizada em forno à lenha. E um sorvete de baunilha artesanal. Apenas uma bola, simples, cheio de sabor e suficiente.
No Sal Gastronomia a experiência já é complemente diferente. A fachada do restaurante é, na verdade, os fundos. A entrada é pela garagem que guia até uma baia, na qual estão o restaurante propriamente, uma galeria de arte e uma livraria. Tudo preto. E uma moto. Sinal de que o chef Henrique Fogaça está. Para os sem reserva, o maître olha com cara feia e indica lugares na bancada, de onde se pode assistir tudo que acontece na cozinha a menos de 01 metro de distância. Os melhores lugares possíveis. Tudo é rústico, seco e direto. A leve grosseria dos funcionários é, inclusive, um ingrediente perfeito da experiência. Você sente uma malandragem brasileira na aura do lugar. O chef Fogaça brinca com um dos cozinheiros ‘eu vô quebrar tua cara se errar o ponto dessa carne’. Não há couvert. O prato principal é indicação do garçom, um lindo vitelo à milanesa, com purê de batata e salada. É uma coisa tão saborosa que lágrimas já escorrem de saudades ao lembrar. Um enorme pedaço dourado de fritura, coisa que você não imagina o Arturito incluindo no menu. O chef Fogaça então pergunta ‘Tá bom isso aí? Baguio doido, né’ e volta a se concentrar no preparo de um beef wellington. A sobremesa é um pudim de cumaru com geleia de frutas vermelhas. Outro sabor único, simples e inesquecível.
Terceiro e último. Le Bife, do chef Érick Jacquin . A maior expectativa. Também a maior decepção. A comida é muito boa. Apenas isso. O couvert não tem charme. A salada de entrada, com folhas, ervas, nozes e molho é ótima. Mas nozes sempre salvam qualquer salada. O entrecôte premium black angus é uma porção bem servida, com guarnições à vontade. A sobremesa é chamada de ‘o verdadeiro petit gâteau au chocolat’ e vem com sorvete artesanal de baunilha e assinatura do chef em calda de chocolate. Separadamente, tudo é gostoso. Junto, parece mais uma marca de restaurante de shopping pronto para virar franquia pelo país. A qualquer momento os garçons chegarão com um bolo em alguma das mesas cantando efusivamente e dando parabéns ao aniversariante, é o que parece. E a sensação que fica é de não ter realmente visto a personalidade do chef francês no lugar.
Uma experiência pode ser única e memorável, mas não necessariamente boa. E isso não tira a importância dessa experiência. Por isso, conhecer os três restaurantes é uma das mais instigantes atrações turísticas de São Paulo e vale a pena ficar sem comer uns Big Macs para visitá-los. Contudo, se tiver que fazer a escolha de Sofia e quiser uma dica, vá ao Sal. Simples. Vá ao Sal! Mano, o baguio é doido.
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