PRINCÍPIA: subserviência travestida e resignação ressentida

Imagine-se em uma experiência multissensorial. Sons que ecoam em sua mente, luzes misteriosas, ocultismo escancarado, crenças, protagonismo sem vontade e libertação pela implosão do ser. Suporte, tentativa de sobrevivência, cansaço, a vontade de desistir da luta e a obrigação de continuar a batalha pela esperança de um futuro melhor que nunca chega. Sente-se, pois, em PRINCÍPIA, há um discurso: deus é mulher.

Com pitadas sutis de simbolismo francês, Baudelaire e Rimbaud aplaudiriam. O caos e a órbita são mera obra do acaso, Flores do Mal. A dor que excrucia a mulher virtuosa que recebe em seus braços uma criatura que tudo serve a ela para conseguir a satisfação sexual (não sem uma resistência, não sem pesar, saciando os próprios desejos sabendo que logo depois será relegada a um papel secundário) é exibida sutilmente e escancarada logo depois. Ela sofre com o abandono, mas aprendeu que, no mundo dos homens, esse é o quinhão que lhe cabe.

Trazendo referências mitológicas repletas de significado, o ator Heleno Rohn personifica o bode, uma figura que passeia na linha do andrógino, um Deus  humano, grego, cristão, pagão, viril e de contraponto.

PRINCIPIA | Crédito: Gabriele Moro

PRINCIPIA | Crédito: Gabriele Moro

Bruxas foram queimadas no maior feminicídio socialmente aplaudido da História. São bruxas sim, pois, continuar resistindo aos séculos é um desafio árduo. Caídas, formando um símbolo pagão, levantam-se e, com muito esforço, se unem para se reerguerem (mesmo que ideologias opostas tragam outras que abrem mão da sororidade para manter o sistema).

Um berro é dado. Elas gritam, se autoflagelam, acreditam que a culpa é delas, das próprias vítimas de mazelas externas. Depois, vestem-se lindamente para encarar o mundo como se nada estivesse acontecendo. E as exibições de nudez feminina, bem, acabam com a erotização de algo que deveria ser, desde sempre, natural.

Crédito: Gabriele Moro

Crédito: Gabriele Moro

Em PRINCÍPIA, há também outros gritos. Um homem vestido de mulher para escancarar a fragilidade masculina discursa. Também tem seus sofrimentos. O de se encaixar em uma cama de Procusto para se ajustar quando, tudo o que quer, é ser ele mesmo. Obediência e compromisso sem fidelidade. Uma resignação, um pedaço de carne em vão.

Descrença.

Entretanto, a esperança se mantém. A mulher virtuosa escancara suas sutilezas para sobreviver. Ora, sempre, para que tudo fique bem. A Bíblia, afinal, é uma metáfora para o dia a dia. Se há Deus, quem sabe, mas não é sobre ele que o livro sagrado fala. É sobre nós e nossa conduta. deusas, por outro lado, pode-se afirmar: há.

Deixe seus pecados de lado e encare que a natureza é tudo o que vai sobrar, nada além disso. O homem se revolta e sai do palco. Foi viver o verdadeiro protagonismo. Não sem um último suspiro.

Uma procissão se inicia. A besta foi decapitada. Uma sugestão é dada por uma mulher coberta que desaparece e deixa apenas um rastro de sua existência.

No fim, um pensamento: rogai por nós.

Amém.

Por Alex Franco
14/12/2018 23h28