Grécia Antiga, literatura e teatro: A Ilíada de Octavio Camargo no Festival de Curitiba

Encarar a leitura de um livro canônico já demanda certo esforço, que, quando superado, tem sua compensação com histórias enriquecedoras. Pensando-se em Manuel Odorico Mendes, então, cujo legado inclui as primeiras traduções integrais para o português de nomes como Homero e Virgílio (um da Grécia Antiga e outro de Roma), com seu método criativo, até mesmo os mais ávidos por literatura são desafiados.

Entretanto, o que ocorre se há o resgate de uma tradição oral que antecede o teatro como conhecemos e traz aos palcos de um festival contemporâneo o texto integral de A Ilíada, dividido em 24 atos (espetáculos em si, monólogos, narração)? Temos a empreitada de Octavio Camargo, que há dezesseis anos prepara a Cia Iliadahomero de Teatro para este momento. “A estreia é o final do processo ‘parte A’. Depois que passar, aí, é claro, temos a culinária, a adição de tempero. Vamos acertar o Ulisses. Lapidação”, afirma, num bate-papo com o Curitiba Cult e o ator Adriano Petermann, o próprio Camargo, criador do projeto.

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RECURSIVIDADE E TRADIÇÃO

Com os anos de pesquisa para o desenvolvimento da ousada tarefa de concretizar a materialização de um texto que ele considera o berço do dicionário, Octavio, também diretor do espetáculo, foi categórico ao afirmar que há interesse e acesso facilitado mesmo para obras originais, como recursos de tradução automática. “Trata-se de uma das obras com mais hiperlinks na internet (…) o primeiro respiro da cultura grega”, ainda completando: “Apesar de não ser uma obra lida popularmente, é uma obra cada vez mais visitada”.

Octavio Camargo, criador e diretor

Octavio Camargo, criador e diretor

“Canta-me, ó deusa, do Peleio Aquiles, a ira tenaz, que, lutuosa aos Gregos…”

“Texto integral… Se mudou a palavra é porque o ator a perdeu e alterou ali, mas não é pra acontecer”. Em meio a risadas Adriano Petermann, que vai protagonizar o Canto XVII, enfatizou a integralidade do texto, com direito a termos em latim e citação biográfica.

E o comprometimento não foi pequeno, afinal, a ideia é que a apresentação, que vai ocorrer no Festival de Curitiba, cative o público para disseminação dos espetáculos, despertando interesse em outros estados. Ainda assim, Adriano se envolveu na coisa toda há dois meses, apesar de acompanhar tudo desde o princípio. “Ele é nosso Diomedes“, disse, rindo Octavio, em referência ao herói grego presente na peça marcado pela astúcia. “Estamos resgatando os rapsodos, algo antes do drama. A origem do teatro, da tradição oral. Trata-se de um ator contando vários personagens, histórias. Pela primeira vez, haverá Olimpíadas na América do Sul, e A Ilíada do Homero era recitada nessas ocasiões”.

Não há como pensar no evento desportivo sem associar o espírito de competição, presente inclusive entre os rapsodos, artistas populares da época que faziam essas declamações. “Dois deles disputavam narrando o mesmo canto para serem julgados por uma plateia, que também apreciava”, disse o ator.

SOBRE ILÍADA E CONTEMPORANEIDADE

Enquanto explicava sobre o conceito de paz adquirida após a superação das próprias vaidades, presente na obra, Octavio foi enfático: “Homero não lamenta a morte dos homens. Lamenta a morte dos jovens. A grande da dor da humanidade e o que faz com que ela se movimente é querer que as pessoas não morram antes do tempo. A Ilíada fala disso”.

Finalizando a entrevista, Fernando acredita que a disseminação da obra neste formato em escolas já seria um grande pontapé inicial, exemplificando com recitais e eventos do gênero. Octavio defende: “Devemos perceber o poder da oralidade na educação, algo que está esquecido. O livro é uma boa maneira para esconder informação. Para ser difundida, a informação deve ser dita. Com nossos espetáculos, proporcionamos a possibilidade de um primeiro contato com uma obra do gênero.”

Que não temamos a ira de Aquiles. As apresentações se iniciam no dia 24 em locais diversos. Confira a programação.

Por Alex Franco
23/03/2016 01h38