Depois do Verde (oaristo)

Foto: Canva

Não sei o que fazer com as plantas do apartamento – as plantas que você trouxe para o que, um dia, achei ter sido nossa casa. Faz uma semana que não dou água para nenhuma delas, e algumas já mostram os primeiros sinais de descaso. De desidratação e de fome, vergam-se amolecidas, sôfregas por algum apoio onde possam descansar os caulículos maltratados. Entregam-se, sem escrúpulos, a pequenas vinganças: sujam o chão com folhas caídas que, sabem, terei de ser eu a recolher, deixam que suas flores encontrem uma morte precoce, certamente no intento de me privar de qualquer tipo de beleza. O que mais me assusta, contudo, é o que acontece com sua cor – verdes amarelecem, amarelos acinzentam-se, vermelhos exanguificam-se em um róseo mortiço. 

(Sinto dor por vê-las assim, mas temo que, se lhes der água, seja ainda pior; temo que, medrando, elas me doam ainda mais, por acabarem me lembrando do tempo em que nosso amor vicejou.)

No começo, fui resistente. Tinha medo de que acabassem atraindo bicho, abelha, marimbondo, lagarta. E eu odeio bicho. Você insistiu e acabou trazendo a primeira peperômia – aquela que hoje fica no alto da estante da sala, se derramando por cima dos Harry Potter e da Tetralogia Napolitana. Gostei. Então a porteira se abriu e você fez a festa: dinheiro-em-penca, corações-emaranhados, iresines, manjericão verde e roxo, alecrim, lavanda, cenoura, tomate. Teve até uma tentativa de pé de abóbora. Não deu muito certo.

As orquídeas dos banheiros gostam de água direto na raiz e preferem estar plantadas entre pedras. As suculentas da sacada suportam bem o calor, mas se afogam fácil. A ráfia que você me deu de aniversário até que sobrevive bem na sombra, mas pulula mesmo é próximo à luz. Quando a dor de estômago ataca (e ela tem atacado bastante), basta ir até o boldo, colher duas ou três folhas e botar para ferver. Santo remédio. 

E tudo isso eu aprendi sem aprender. Digo: eu mesmo nunca fiz nada disso. Nunca adquiri a memória muscular necessária para o sucesso de transplantes ou podas, nunca iniciei meu olhar na fina arte de descobrir se a causa da míngua é excesso ou falta de água, abundância ou escassez de sol. Porque quem cuidava delas era você. O que eu sei eu só sei porque você me contou – e, daqui em diante, você não vai mais estar aqui para me contar coisa alguma.

Não morreram ainda de todo, as plantas. Talvez hoje eu lhes dê um pouco de água. Talvez não. Tenazes, teimosas, ainda guardam algum tom de seu verde, amarelo ou vermelho originais, as danadas. Não sei que cor terão amanhã.

Por Pedro Jucá
28/11/2023 17h28

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