Em dado momento de Ioga, Emmanuel Carrère nos reporta uma história tão bonita quanto terrível. Durante os chamados expurgos da ditadura stalinista, na União Soviética de 1936, um menino de oito anos troca cartas com sua Babushka. Na primeira delas, sob a promessa de crescer e cuidar da avó, o pequeno lhe noticia que ainda não morreu. Na segunda, ele a apazigua com a informação de que ainda estava a salvo, mas faz uma ressalva de primeiríssima importância: essa não seria a mesma vez em que não teria morrido. Ele não morreu dessa vez de novo. Ele continuava a não morrer.
Além de um manual apologético da meditação, Ioga é também um romance sobre a luta de um homem contra a loucura. Escrita em autoficção, gênero caro a nosso tempo – e a mim, cada vez mais –, a obra vibra de realidade como, em misterioso equilíbrio, vibram intimamente as moléculas de toda a matéria viva. É, afirmo sem medo de errar, um dos livros mais comoventes que li na última década. Na última vida, talvez. Difícil não ser arrebatado pela agudeza de Carrère em penetrar (n)o subsolo de nossos sentimentos; pelo escrutínio arguto e pelo comentário cru acerca dos fatos do mundo; pela prosa simples, mas profunda, e fluída, mas retumbante de emoção; pela maneira, enfim, com a qual a narrativa parece, guardadas as devidas proporções, entrar em ressonância com meu próprio relato – o relato de muitos de nós.
No início de 2019, alguns meses depois de tomar posse no tão sonhado cargo público, atravessei minha primeira crise mais séria de ansiedade. Até então, os muitos anos deitado no divã haviam me ajudado a segurar as pontas (e nós), mas, de repente, sem aviso prévio, desemaranhar os intrincados novelos da vida adulta passou a ser um tormento. E não que, antes, eu fosse um grande mestre zen, baluarte da calma e da serenidade. O problema era que, agora, em vez de meras unhas roídas, suor na testa e frio na barriga, eu estava enfrentando insônia, visão turva, mãos dormentes, um cérebro convulso de pensamentos e, o pior de tudo, uma opressiva e constante sensação de falta de ar, para a qual respirar fundo não era alívio nenhum.
Apesar de ser contra a completa medicalização da existência – obliterar a capacidade de suportar e contornar dores é desconfigurar a própria condição humana –, sou também, por sorte e formação, dos que evitam nutrir qualquer tipo de preconceito. Quando realmente necessário, não há derrota alguma em se recorrer a remédios, e já há muito atraso em que ainda se pense o contrário. Condição médica é condição médica. Se não cogitaríamos tratar um câncer com autoajuda e força de vontade, por que haveria de ser diferente com afecções psíquicas?
Procurei, então, um psiquiatra. O match foi imediato. Dr. E. acertou não somente na dose do ansiolítico, mas também em puxar para mim o óbvio fio da meada: com meu antigo cotidiano rasgado em pedaços, seria pouco provável que corpo e mente não reagissem com espasmódico estranhamento. Eu estava, afinal, a milhares de quilômetros de casa, havia deixado família, amigos e um namoro de quatro anos para trás, mal sabia escrever uma petição e pelejava para não ser soterrado sob audiências e prazos, prazos, muitos prazos, mais prazos do que eu jamais teria podido imaginar.
Mas de tudo isso eu já falei por aqui. Inúmeras vezes – (se) repetir é o sisífico destino de todo neurótico. O de que talvez eu nunca tenha falado é o que vem a seguir: se tomar medicamento era a medida de urgência, era o alinhavado de improviso, o trabalho maior, aquele que de fato importava, era catar, realinhar e recosturar retalhos. Aos poucos, com paciência, ponto a ponto. A solução elegante era uma só: conferir dignidade a meu sofrimento, compreendê-lo, acolhê-lo, encará-lo como um mal tratável, mas não necessariamente passageiro, para só então, como antídoto, infundir alguma doçura à dureza dos dias.
E foi isso o que fiz.
Sob sugestão do Dr. E., que se revelou um médico de ampla formação humanística, iniciei uma rotina de exercícios aeróbicos, me dediquei, todas as noites, a um rigoroso ritual de higiene do sono, moderei o uso de redes sociais, inseri atividades de prazer em momentos estratégicos da semana, retornei à terapia e, no que aqui interessa mais, comecei a meditar.
A primeira vez em que, no consultório, ouvi falar de meditação, torci o nariz. Se, por um lado, a referência me remetia a práticas religiosas muito distantes do meu léxico familiar, por outro, parecia encarnar um discurso coach que abomino, sobretudo quando ligado ao termo mindfulness, cujo uso indiscriminado ainda hoje me dá arrepios na espinha.
Tudo ignorância, claro.
Sem se abalar, Dr. E. me explicou que a meditação já não era monopólio de religiões zen, nem se confundia com nenhuma mística. Muito ao contrário, aliás, a evidência científica era profusa em demonstrar sua formidável eficácia na mitigação dos sintomas ansiosos. Tratava-se, no fim das contas, de um exercício de retorno ao presente, sem pressa ou julgamento, e isso fazia toda a diferença no caso de pacientes que, como eu, estavam sempre chafurdando no passado ou se deixando oprimir pelas infinitas possibilidades do futuro. E o melhor: na chamada meditação ativa, a atenção plena (que nos salve o bom e velho português) poderia ser praticada a qualquer momento, em qualquer lugar, inclusive durante afazeres prosaicos, como colocar as roupas na máquina de lavar, escovar os dentes, frequentar aulas de piano ou escrever.
E é aqui que eu alcanço meu ponto de virada.
Cheguei a praticar, e ainda pratico, a meditação clássica, aquela para a qual, em seu livro terremótico, Emmanuel Carrère elabora mais de dez definições, com direito a zafu, postura ereta e contemplação longânime de inspirações e expirações. Mas, a partir de 2020, depois que explodiu a pandemia, me dediquei a escrever literatura de maneira séria – serial –, e isso teve para mim a graça de uma epifania e a gravidade de uma salvação.
Se meditar é, em larga escala, aprender a mergulhar na minúcia do mundo, escrever terá se tornado, para mim, a forma mais dadivosa de meditação. Escrevo menos por prazer que por teimosia: mover palavras é querer, no seio da nossa solidão absoluta, insistir em fazer laço com o outro; é desejar, no sem-sentido de um mapa apagado, desenhar rotas inventadas; é, enfim, tentar extrair, do oco da existência, estofo para uma vida que, de resto, teria tudo para se quedar vazia, angustiada, martirizante.
É como pregou Horácio: por escrever, o escritor não morrerá inteiramente. Sua obra, pedaço seu, sempre restará. É um sofisma deveras poético, mas não sei se, hoje, me interessa tanto assim. Depois de morto, afinal, eu estarei morto – e é da vida, vivo, que eu quero me ocupar.
Nessa que, ao menos por algum tempo, talvez seja a última crônica da O Que Eu Temia Chegou – quero fabricar um novo romance e não sei quando retorno –, proponho, então, uma ligeira torção à máxima do filósofo: non omnis moriar, escrever não para ser imortal, mas para que, em vida, eu possa não morrer de todo – escrever para que, em vida, eu possa continuar a não morrer.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
As Crônicas de Uma Relação Passageira conta a história do romance entre Charlotte (Sandrine Kiberlain) e Simon (Vicenti Macaigne) que se conhecem em uma festa. Charlotte é uma mãe e solteira, já Simon é um homem casado e sua esposa está grávida. Eles se reencontram num bar e começam um relacionamento repleto de percalços. Ela é mais extrovertida, pouco preocupada com o que os outros pensam. Ele é mais tímido e retraído. A princípio, os opostos realmente se atraem e ambos concordaram em viver uma relação apenas de aventuras, mas tudo se complica quando os dois criam sentimentos um pelo outro e o que era para ser algo muito bom, acaba se tornando uma relação perturbadora.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Dirigido e roteirizado por Pat Boonnitipat, a trama dessa ficção emocionante, Como Ganhar Milhões Antes que a Vó Morra, acompanha a jornada do jovem When M (Putthipong Assaratanakul), que passa a cuidar de sua avó doente chamada Amah (Usha Seamkhum), instigado pela herança da idosa. O plano é conquistar a confiança de sua avó, assim será o dono de seus bens. Tendo interesse apenas no dinheiro que Amah tem guardado, When resolve largar o trabalho para ficar com a senhora. Movido, também, por sentimentos que ele não consegue processar, como a culpa, o arrependimento e a ambição por uma vida melhor, o jovem resolve planejar algo para conseguir o amor e a preferência da avó antes que a doença a leve de vez. Em meio à essa tentativa de encantar Amah, When descobre que o amor vem por vias inimagináveis.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Um aspirante a escritor utiliza um alter ego para desenvolver seu primeiro romance. Em Sebastian, Max é um jovem de 25 anos que vive como escritor freelancer em Londres trabalhando com artigos para uma revista. Ter um livro publicado fala alto na lista de desejos do rapaz e, então, ele encontra um tema para explorar: o trabalho sexual na internet. Se a vida é um veículo de inspiração para um artista, Max corre atrás das experiências necessárias para desenvolver a trama de seu livro. Com isso, durante a noite, Max vira Sebastian, um trabalhador sexual com um perfil em um site no qual se oferece pagamentos por uma noite de sexo. Com essa vida dupla, Max navega diferentes histórias, vulnerabilidades e os próprios dilemas. Será que esse pseudônimo é apenas um meio para um fim, ou há algo a mais?
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Uma comédia em que grandes segredos e humilhações se cruzam e vem à tona. Histórias Que é Melhor Não Contar apresenta situações com as quais nos identificamos e que preferimos não contar, ou melhor, que preferimos esquecer a todo custo. Encontros inesperados, momentos ridículos ou decisões sem sentido, o filme aborda cinco histórias com um olhar ácido e compassivo sobre a incapacidade de controlar nossas próprias emoções. Na primeira história, uma mulher casada se vê atraída por um rapaz que conheceu em um passeio com o cachorro. Em seguida, um homem desiludido com seu último relacionamento se vê numa situação desconfortável na festa de um amigo. Na terceira, um grupo de amigas atrizes escondem segredos uma da outra. Por último, um professor universitário toma uma decisão precipitada; e um homem casado acha que sua mulher descobriu um segredo seu do passado. Com uma estrutura episódica, as dinâmicas do amor, da amizade e de relacionamentos amorosos e profissionais estão no cerne desse novo filme de Cesc Gay.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Lee, dirigido pela premiada cineasta, Ellen Kuras, vai contar a história da correspondente de guerra da revista Vogue, durante a Segunda Guerra Mundial, Elizabeth Lee Miller. O filme vai abordar uma década crucial na vida dessa fotógrafa norte-americana, mostrando com afinco o talento singular e a tenacidade dela, o que resultou em algumas das imagens de guerra mais emblemáticas do século XX. Isso inclui a foto icônica que Miller tirou dela mesma na banheira particular de Hitler. Miller tinha uma profunda compreensão e empatia pelas mulheres e pelas vítimas sem voz da guerra. Suas imagens exibem tanto a fragilidade quanto a ferocidade da experiência humana. Acima de tudo, o filme mostra como Miller viveu sua vida a todo vapor em busca da verdade, pela qual ela pagou um alto preço pessoal, forçando-a a confrontar um segredo traumático e profundamente enterrado de sua infância.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Prólogo do live action de Rei Leão, produzido pela Disney e dirigido por Barry Jenkins, o longa contará a história de Mufasa e Scar antes de Simba. A trama tem a ajuda de Rafiki, Timão e Pumba, que juntos contam a lenda de Mufasa à jovem filhote de leão Kiara, filha de Simba e Nala. Narrado através de flashbacks, a história apresenta Mufasa como um filhote órfão, perdido e sozinho até que ele conhece um simpático leão chamado Taka – o herdeiro de uma linhagem real. O encontro ao acaso dá início a uma grande jornada de um grupo extraordinário de deslocados em busca de seu destino, além de revelar a ascensão de um dos maiores reis das Terras do Orgulho.