Consciência Negra e Zumbi dos Palmares – unificando memórias de luta e resistência

Foto: Divulgação/Governo Brasil

Antes de entrarmos efetivamente na história de Zumbi e na da formação dos Quilombos, acredito que seja importante voltarmos um pouquinho na história do Brasil e no processo de colonização.

Vamos lá: corriqueiramente a gente fala sobre “descobrimento do Brasil”, mas me parece estranho que um território supostamente descoberto já contasse com milhares de moradores.

Estudos apontam que, quando da chegada dos portugueses, havia um número aproximado de 8 a 40 milhões de indígenas vivendo aqui com mais de mil povos de diferentes lugares e culturas.

Hoje, esses mesmos moradores precisam lutar de forma extremamente desigual e incessante para poder chamar de seu um pequeno território, quando, originalmente sempre foram os donos. Ou seja, o ‘descobrimento’ é uma visão eurocêntrica da coisa toda.

Há 521 anos, portugueses chegavam ao Brasil

Foto: Márcio Filho/MTur

Em entrevista ao documentário Guerras do Brasil, Ailton Krenak afirma que “o Brasil nasceu da invasão: primeiros pelos portugueses, depois pelos holandeses e continuada pelos franceses, e essas invasões, elas nunca tiveram fim […]”

Krenak é ambientalista, militante indígena e ambiental, e autor de livros Ideias Para Adiar o Fim do Mundo, O Amanhã Não Está à Venda e A Vida Não é Útil, além disso, participou da Assembleia Constituinte de 1988 e da Aliança dos Povos da Floresta, de Chico Mendes. 

Durante os 100 primeiros anos da colonização dos povos originários os portugueses estabeleceram o sistema de troca, consolidaram a busca por matéria prima, intensificaram a conquista do território brasileiro e deram início ao processo de escravização indígena, iniciando assim o sistema produtivo de cana de açúcar no país. 

Alguns dos privilégios jurídicos e fiscais atribuídos aos donatários o estabelecimento dos engenhos eram a “isenção de taxas sobre a produção de açúcar, exclusividade na fabricação de moendas e engenhos d’água, honrarias e títulos, escravização dos indígenas”. 

Essa e outras informações sobre a trajetória da cana de açúcar podem ser consultadas em trabalho lançado pela EDUFU – Editora da Universidade Federal de Uberlândia, cujo livro foi publicado em 2020 e recebeu o título de A trajetória da cana-de-açúcar no Brasil: perspectivas geográfica, histórica e ambiental.

Pautados em justificativas baseadas na recusa da propagação da fé cristã por parte dos ‘bárbaros destituídos de moralidade’,  ‘adeptos do canibalismo’ e ‘ataques violentos’ ao europeus – leia-se, defesa – se estabelece o cenário perfeito para a fundamentação da “Guerra Justa”.

Durante a colonização portuguesa os povos originários, donos desse território, foram enganados, expostos às mais diversas doenças trazidas pelos portugueses, catequizados, e na condição de escravizados foram obrigados a trabalhar até a exaustão, resultando no que se conhece hoje como o genocídio dos povos originários que, embora iniciado com a chegada dos portugueses, perdura até hoje, como exemplo a Proposta de Emenda à Constituição, a PEC 215/2000

Outros personagens, mas segue o Modus Operandi europeu: à prática comum portuguesa baseada na mão de obra escrava.

A busca por mão de obra barata, aliados à prática comum portuguesa baseada no trabalho escravo, fez com que o continente africano fosse alvo de sequestro e do tráfico transatlântico, que ficou conhecido como uma das maiores diásporas históricas seguidas de genocídio: o período escravocrata. 

Talvez você já tenha ouvido o argumento que consiste em dizer que ‘a prática de escravidão surgiu na África’. Isso é tão verdade quanto a historinha do racismo reverso, democracia racial, ou papai noel,e por aí vai. 

Lembram do primeiro texto aqui da Sankofa onde falei um pouco sobre a vasta cultura, história, língua e costumes diferentes existentes no continente africano? Pois bem, em meio a toda essa diversidade, era normal rolar umas divergências entre esses povos e, consequentemente, guerras entre eles, exatamente como ocorria no continente europeu. ORA ORA!

Durante esses embates, acontecia de um povo capturar alguém da tribo rival e tornando-o prisioneiro de guerra, ou melhor dizendo, cativos. O conceito aqui é bem diferente do sentido de escravidão utilizado pelos europeus, que tinha como principal objetivo o lucro com o sequestro de mão de obra escrava. 

Nesse contexto, no século XVI, Portugal além de comercializar a compra de especiarias, passou a comprar esses escravos que foram levados à Ilha da Madeira, que fica conhecida como ‘Laboratório da cana de Açúcar’, dando início à escravidão no sentido moderno, começando assim a mão de obra escrava para a produção de cana de açúcar, prática posteriormente trazida ao Brasil.

Com o extermínio da população indígena, restaram aqui imensos territórios sem povoamento e, obviamente, sem mão de obra. Sob o preceito de um ‘pecado original’, surge a justificativa cristã – de novo! – que, para remissão desse pecado, os negros poderiam sim ser escravizados, já que ‘não tinham alma’. 

Destituídos de sua cultura, sua língua, recebiam um novo nome, e eram batizados de acordo com a fé cristã. Cerca de 12 milhões de homens e mulheres que foram sequestrados e escravizados chegaram à costa brasileira entre os anos de 1550 e 1850, a cada 100 pessoas recém-chegadas ao Brasil, em média 86 eram africanos.

“Ouvem-se gritos… o chicote estala. […]  

Presa nos elos de uma só cadeia, / A multidão faminta cambaleia,

E chora e dança ali! / Um de raiva delira, outro enlouquece, […] 

Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, Senhor Deus! 

Se é loucura… se é verdade / Tanto horror perante os céus?”

Castro Alves in Navio Negreiro

A estimativa de tempo de vida era de 20 anos. Os negros eram obrigados a trabalhar cerca de 12/16h por dia. Sob essas condições, os escravos que conseguiam fugir dos engenhos buscavam refúgio na mata fechada, alguns em direção à Serra da Barriga, onde, por volta de 1597, surge o Quilombo dos Palmares.

O quilombo, que na língua banto significa ‘povoação’, era o espaço físico de resistência à escravidão. Eram agrupamentos criados em locais de difícil acesso, e que dispunham de armas e estratégias de defesa contra a invasão de milícias e tropas governamentais. 

O Brasil colonial conviveu com centenas de comunidades quilombolas, espalhadas, principalmente, pelos atuais estados da Bahia (BA), Pernambuco (PE), Goiás (GO), Mato Grosso (MT), Minas Gerais (MG) e Alagoas (AL).

Além dessas informações, no site da Fundação Cultural Palmares você também pode fazer um tour virtual pelo Memorial Quilombo dos Palmares, e obter mais informações sobre a representatividade do 20 de Novembro, bem como desse espaço que é um dos maiores símbolos de resistência do povo negro durante a escravidão no Brasil.

Os Quilombos eram formados por vários mucambos, entre eles os mais famosos foram o Andalaquituche, Aqualtune, Macaco, Zumbi, entre outros. A invasão holandesa contribuiu significativamente para a expansão do contingente dos Quilombos, chegando a uma população de quase 20 mil pessoas, o do Macaco chegou a ter aproximadamente 6 mil habitantes.

Após quase um século de resistência frente à expedições particulares e as subsidiadas pela coroa portuguesa, em 20 de Novembro de 1695, a expedição de Domingos Jorge Velho, bandeirante paulista obtém êxito com a investida na captura e assassinato de Zumbi, que teve sua cabeça decepada e exposta, para servir de exemplo à escravos que tentassem resistência. 

Vocês lembram da treta toda quando, lá em julho, atearam fogo na estátua de Borba Gato, um bandeirante? Pois é!

As comunidades remanescentes dos Quilombos continuam vivas e lutando pelo reconhecimento de suas terras em todo o território brasileiro, e hoje podem chegar a próximo de 5 mil habitantes.

No meu último texto eu fiz uma apanhado que visava trazer diversas informações que nos fizesse refletir sobre o percurso histórico da institucionalização do 20 de Novembro como marco do Dia da Consciência Negra. 

Neste, totalmente lincado com o anterior, reforço a importância da luta antirracista, da influência da cultura africana vinda com a diáspora, e o quão significativo, do ponto de vista histórico e cultural, é o cumprimento da lei de n° 10.639, e que temas referente à tensões das relações raciais, racismo institucional e estrutural devem obrigatoriamente fazer parte dos debates promovidos por todos os meio de comunicação, mas apenas no 20 de Novembro, e sim, constantemente. 

Na próxima semana, seguindo o fio, trago um pouco sobre Dandara, Feminismo Negro e representatividade.

Até mais!

Axé =)

Por Kessianne Mendes
24/11/2021 17h46

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