20 de Novembro: sua importância, representatividade e história de construção

Foto: Mattia Faloretti via Unsplash

“Sem inveja de Virgílio, de Homero e de Camões

porque o meu canto é o grito de uma raça

em plena luta pela liberdade!”

Solano Trindade

Nos aproximamos de mais um 20 de Novembro, data em que se celebra o Dia da Consciência Negra, mas você sabe o que é – ou o que representa -, como se deu o processo de nacionalização da data e quem foram os principais envolvidos nesse percurso? Não? Então vem comigo que no caminho eu quero dividir algumas informações com você!

Você com toda certeza já deve ter ouvido falar “mas porque raios temos uma data pra comemorar o Dia da Consciência Negra e não temos uma para celebrar (?) a “consciência branca” ou ainda há quem diga o dia da “consciência humana”? 

Morgan Freeman, corre aqui!

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Dos mesmos criadores de “somos todos iguais” veio o “racismo reverso”, e o “não existe racismo no Brasil”, e não nos esqueçamos da famosa (contém ironia!) “democracia racial”, e por aí vai. 

Todos esses discursos são falaciosos e só fazem mascarar ainda mais a nossa estrutura racista, deslegitimando a luta em busca de igualdade racial, educação antirracista e representatividade, além de servir como forma de justificava para comportamentos e discursos discriminatórios. 

Louis Farrakhan, líder do grupo negro estadunidense Nation of Islam, debate sobre esses e outros temas em um programa de TV, na década de 90. Ao ser questionado sobre o porquê usar o termo “pessoa branca” ao invés de “nos unir” no sentido de “somos todos humanos”, Farrakhan afirma que apesar do discurso ser bem-intencionado, na prática ele não funciona. 

Em sua fala – que também pode ser chamada de breve resumo histórico – ele menciona a algumas das violências às quais os africanos foram (e ainda são!) submetidos durante os 300 anos de escravidão nos EUA, e de como a supremacia branca, automaticamente produz a inferioridade negra. O líder ainda toca em questões sobre privilégio branco, aculturação, e outros tópicos. Embora o vídeo seja americano, os conceitos são facilmente aplicados à realidade brasileira. Tudo (infelizmente!) tão atual, né? 

Então, por favor, não seja você a pessoa que reafirma esses discursos!

20 de Novembro: sua importância, representatividade e história de construção

Existe uma história do povo negro sem o Brasil. 

Mas não existe uma história do Brasil sem o povo negro.”  

Januário Garcia

Foto: Sispec Sindicato

A consciência negra pode ter vários significados: segundo Renato Soares, em artigo escrito ao Escola e Educação, pode significar “a percepção da pessoa negra em relação às suas origens, no entendimento das raízes culturais e históricas de seus antepassados”, representa “a identificação da causa e luta dos ancestrais africanos que desembarcaram no Brasil e trouxeram consigo toda a cultura, costumes e tradições do seu povo”, ou ainda resgata “o sentimento de pertencimento do negro, não como apenas um “apêndice” da sociedade dominada pela classe branca, mas como um ser de valor e que faz parte da formação identitária do Brasil.”

Ainda sobre a importância da data, Felipe Alves, especialista em Direito Penal e Direito Público, escreve ao Portal Geledés citando “Três motivos para o dia da Consciência Negra”.

Segundo Felipe, “o Dia da Consciência Negra é um convite e um chamamento para a reflexão do passado, do presente e a construção de ações afirmativas para o futuro como prospecção e construção de um povo civilizado”. Para ele, o primeiro motivo seria o termo consciência: “consciência é não ser omisso frente a algo que está acontecendo de errado, mas de se indignar com o erro”. 

O segundo seria o argumento histórico. No ano de 1971, em Porto Alegre, quando um grupo de universitários negros criou o coletivo Palmares, um dos objetivos iniciais era discutir a proibição da entrada de negros em clubes da capital, além de debater o racismo e a inserção de negros nos espaços de poder da sociedade. Desse modo, o dia 20 de Novembro, como data nacional, é fundamental para revelar as desigualdades e a violência contra a população negra. 

O terceiro é o argumento contemporâneo: são inúmeros os casos de violência, discriminação, prejuízos no emprego e na renda, evasão escolar e desigualdade social, infelizmente ainda bem-marcados no território brasileiro. 

No meu último texto eu trouxe alguns dados bem relevantes que comprovam a violência e desigualdades e racismo institucional, vale a pena conferir.

Jaques Felix Trindade. “Capa”. Jornegro, São Paulo, n. 5, 1978.

O processo de nacionalização do dia 20 de Novembro tem uma longa história, e é importantíssimo frisar que o personagem principal nessa conquista é unicamente o Movimento Negro como um todo, que durante uma década lutou para a institucionalização da data como marco nacional, trazendo a história das Lutas Palmarinas como histórico de resistência e luta pela liberdade do povo negro escravizado no Brasil.  

O Movimento Negro Unificado (MNU) tem papel fundamental na consolidação da construção do 20 de Novembro. O Movimento foi fundado no dia 18 de junho de 1978, e lançado publicamente no dia 7 de julho, deste mesmo ano, em evento nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo, em pleno regime militar. O ato representou um marco referencial histórico na luta contra a discriminação racial no país. 

Em sua primeira carta de princípios, o MNU reconhecia como “negro todo aquele que possui na cor da pele, no rosto ou nos cabelos sinais característicos dessa raça” e se colocava na “defesa do povo negro em todos os aspectos políticos, econômicos, social e cultural”.

O mês de Novembro de 1983 ficou marcado pela marcha e ato público organizado pelo Movimento. Cerca de 5 mil pessoas partiram em direção à Cinelândia reunindo organizações do Movimento, partidos políticos, CNBB, várias personalidades, políticos e ativistas como a vereadora Benedita da Silva, Deputado Estadual José Miguel, Deputado Federal Abdias Nascimento, Lélia Gonzalez, entre outras.

A marcha realizada no Rio de Janeiro, ainda que sem aderência nacional, foi fundamental para o processo de nacionalização do dia 20 de Novembro como data institucional da Consciência Negra no país.

No ano seguinte, em São Luiz, o Centro de Cultura Negra do Maranhão (CCN/MA), seguido de Brasília e sua articulação entre diferentes segmentos da gente negra do Distrito Federal, possibilitou o estabelecimento da tradição de realização de atos públicos, shows, seminários e festas em Novembro. Esses movimentos tiveram papel se suma importância para a construção nacional do 20 de Novembro.  

Pra quem quer saber mais detalhes na história da construção do 20 de Novembro como Dia Nacional da Consciência Negra, a Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros, Geledés – Instituto da Mulher Negra, em parceria com Acervo Cultne e Google Arts & Culture, promoveram a exposição on-line “1970-1980: Nacionalização do Dia da Consciência Negra no Brasil”

Ligue o som, aumente o volume e desfrute de um incrível tour virtual que conta com vários cartazes lindíssimos, informações riquíssimas, além de áudios de poemas e vídeos que são verdadeiros presentes pra quem quer saber mais sobre a história de construção de movimentos tão importantes. 

Se você, assim como eu, curte série, fica aqui uma listinha com 5 séries brasileiras pra aprender um pouco mais sobre as relações raciais, privilégio branco, e racismo.

Na próxima semana trago um pouco sobre o processo de colonização, a chegada dos africanos escravizados, a formação dos Quilombos e, claro, sobre Zumbi dos Palmares. 

Até lá!

Axé =)

Por Kessianne Mendes
10/11/2021 18h03

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