Conheça a curitibana que trabalhou com Coppola em “Megalópolis” em entrevista exclusiva

Daniela Medeiros. Foto: Arquivo Pessoal.
Foto: Arquivo pessoal

Um dos maiores diretores do cinema esteve em Curitiba para o lançamento do seu mais recente filme “Megalópolis”. Francis Ford Coppola foi homenageado, deu uma master class e marcou presença no Cine Passeio. A ligação do diretor estadunidense com a cidade vem de décadas atrás, quando visitou a capital para pesquisas que influenciaram a trama do longa-metragem estrelado por Adam Driver. Mas existe mais uma ligação de Curitiba com “Megalópolis”: uma curitibana fez parte da equipe de produção.

Daniela Medeiros é diretora de arte e cenógrafa, e fez parte da equipe de direção de arte do longa-metragem de Coppola. A curitibana já esteve na equipe de outros grandes filmes, de sucessos da Marvel como “Homem-Formiga” e até o vencedor do Oscar “Mank”, do diretor David Fincher. Nessa entrevista exclusiva para o Curitiba Cult, Daniela conta sobre como é fazer a direção de arte de grandes produções, as conversas com Coppola sobre Curitiba e sua inspiradora trajetória.

Como chegou até a equipe de Coppola para fazer “Megalópolis”?

Eu já trabalho há muitos anos com a equipe da talentosa Production Designer/Diretora de Arte Beth Mickle e ela me chamou para ser Set Designer (cenógrafa) deste projeto também. Além deste filme, também trabalhei com ela no “Guardiões da Galáxia, vol.3” e mais recentemente no “Super-Homem”, que será lançado em 2025.

Como foi trabalhar com o diretor, e pensar nesse projeto, tão pessoal para ele, na hora de criar o design?

Me sinto privilegiada de ter tido oportunidades na minha carreira de trabalhar com diretores autorais como ele. Projetos como estes também reúnem equipes incríveis, o que é valiosíssimo! Sempre se aprende muito ao trabalhar com pessoas experientes e em ter a chance testemunhar uma forma diferente de criar mundos e contar histórias. Tenho também muito interesse em trabalhar com Scorsese e Spielberg, também desta geração de grandes diretores, e aprender ainda mais.

O tema do filme foi bastante inspirador para mim também – eu sou arquiteta e urbanista, e adorei a ideia de contar a história de um arquiteto querendo criar uma cidade utópica. Eu fui responsável pela cenografia do set “Madison Square Garden”, um set de dimensões consideráveis e onde acontecem as performances, danças e algumas das cenas mais emblemáticas e artísticas do filme. Este set começou pequeno, mas no decorrer da pré-produção foi se tornando mais importante para a história e para o diretor, e eu trabalhei diretamente com a Diretora de Arte para desenvolver o espaço que o diretor tinha em mente.

Chegou a conversar com Coppola sobre Curitiba? Ele elogiou a cidade enquanto esteve aqui. Ele revelou mais algo a você sobre isso? Ser de Curitiba te ajudou a entender a inspiração que a cidade teve no projeto do diretor?

Sim, conversei com ele sobre Curitiba e ele me contou sobre suas visitas no passado e sobre a sua amizade e admiração por Jaime Lerner. Ele também elogiou muito a cidade, seu plano diretor e as políticas sociais, de mobilidade e sustentabilidade, que já completam suas dezenas de anos de existência, portanto sempre à frente de várias outras metrópoles pelo mundo. Foi surreal ouvir ele falando sobre os tubos do biarticulado e sobre a Rua XV de Novembro, algo já tão normal para nós que acho que não pensamos muito sobre.

É sempre bom ouvir pessoas elogiando nossa cidade, ainda mais alguém com um nome mundialmente reconhecido, mas gostaria de adicionar que os elogios não me surpreenderam – nossa cidade é reconhecida e admirada mundialmente, especialmente por profissionais de arquitetura e desenvolvimento urbano. Eu tenho muito orgulho de Curitiba, sempre recebendo novos prêmios – mais recentemente o Prêmio de Cidade mais Inteligente do mundo pelo World Smart City Awards em 2023, o Prêmio Global de Inovação Urbana concedido pela C40 Cities Climate Leadership Group em 2020, dois prêmios pela UNESCO para Música e Design, e também uma premiação de “Cidade Verde” pelo Guinness World Records em 2016.

Precisamos valorizar essa referência, as entidades importantes que percebem nosso valor e proteger essas políticas que fazem com que nossa cidade seja tão especial. Isso se faz através de cidadania e exercendo nosso poder/direito de eleger representantes que entendam e valorizem o que temos de mais importante e valioso. Curitiba é o que é hoje pois políticas de desenvolvimento urbano, sociais etc., foram aprovadas décadas atrás e mantidas e atualizadas desde então, o que não é a realidade da maioria das cidades. Precisamos proteger e exigir que estas políticas continuem para que continuemos recebendo elogios de outras entidades e grandes nomes renomados mundialmente.

Eu, como arquiteta, sempre admirei demais essa cidade e levo ela em meu coração todos os dias. Acredito que Curitiba, e também outras referências arquitetônicas e urbanísticas brasileiras, me ajudam muito na minha carreira diariamente. Já tive a oportunidade de desenvolver algumas cidades cinematográficas até hoje e com certeza estas bases me ajudam nestes desafios.

Como vê a importância da visita de Coppola à Curitiba e para a produção audiovisual local?

Torço para que a parte mais importante desta visita seja seu poder de inspiração sobre nossa potência. Espero que essa visita traga inspiração para que novas vozes curitibanas contem histórias locais e que valorizemos ainda mais a nossa cidade, nossa arte e os curitibanos. 

Como iniciou sua carreira, até chegar aos grandes filmes de Hollywood? Qual foi seu projeto favorito e por quê? Pode explicar mais o que é cenografia, ou set design?

Me formei em Arquitetura e Urbanismo pela PUC-PR e em Design de Mobiliário pela UTFPR, e quando me formei já sabia que queria explorar o universo do cinema, então me introduzi à indústria local e logo em seguida me inscrevi num Mestrado em Production Design pelo American Film Institute, em Los Angeles. Desde formada tenho trabalhado em grandes projetos como “Twisters”, “Guardiões da Galáxia, vol. 3”, “Mank”, sendo estes dois últimos meus favoritos pois me desafiaram muito artisticamente e acredito que os resultados foram espetaculares. “Mank” com seu preto e branco e generosidade de detalhes, e “Guardiões” com suas dimensões e composições geométricas e estruturais extremamente complexas. Além destes, também tenho muito orgulho de um dos meus primeiros projetos, “All These Voices”, no qual tive a oportunidade de trabalhar com muitas texturas, cores e temas relevantes. O filme todo, desde cenários a coreografias, foi feito de forma bastante artística e até hoje uso como referência.

No que diz respeito à cenografia: Set Designer, ou cenógrafa, é a profissional responsável por criar e desenhar o set em si. É a “arquiteta” no cinema. Esta profissional precisa ter capacitação de projeto e criação de espaços para contar histórias, além de saber executar desenhos técnicos para execução pela equipe de construção.

Você fez mais projetos voltados à ficção científica e fantasia, além dos filmes de super-heróis. Isso é um interesse particular seu, qual o diferencial desses filmes?

Eu amo criação de mundos, de qualquer estilo, escala e temporalidade. Trabalho em filmes de menor orçamento até projetos de grande orçamento, e todos eles permitem a criação de mundos diferentes e com complexidades e escalas distintas. Filmes de fantasia e ficção, como os que já trabalhei, tendem a ter um orçamento mais generoso para execução de sets maiores, portanto são interessantes e desafiadores de sua própria maneira. Mas também me interesso muito por projetos menores, que trazem oportunidades de criar mundos mais compactos e por vezes mais próximos de nós.

Como “Megalópolis” se encaixa na sua trajetória?

“Megalópolis” foi mais uma experiência enriquecedora de aprendizado sobre a indústria do cinema e suas complexidades e desafios. Também foi uma oportunidade de testemunhar outros métodos de storytelling nos quais eu não tinha muita experiencia, como por exemplo, em algum dos sets foram usadas estratégias mais teatrais, como “cut-outs” de cenários, jogos de luz e interpretações menos literais sobre os espaços, algo que foi interessante de ver acontecer e levarei essa experiência e seus aprendizados para os próximos projetos.

Você fez parte da equipe que ganhou um Oscar com “Mank”, certo? Isso abriu uma nova fase na sua carreira? Tem expectativa de “Megalópolis” ter indicações, assim como foi indicado à Palma de Ouro?

“Mank” foi um projeto riquíssimo desde a história até o time, e trabalhar com o diretor David Fincher, um sonho meu havia muitos anos, foi muito inspirador. Tenho muito orgulho de ter trabalhado com ele e com o Diretor de Arte Don Burt, com quem aprendi muito também. Nos próximos meses deveremos saber mais sobre as premiações, e espero muito que todos os profissionais que trabalharam em “Megalópolis” recebam os prêmios merecidos! Todas as equipes são muito talentosas e trabalharam pesado para concluir este projeto. Espero trabalhar novamente com eles em breve!

Por Brunow Camman
15/11/2024 10h10

Artigos Relacionados

Crítica: a fábula futurista de “Megalópolis” discute a cidade, mas falta coletividade

Curitiba foi inspiração para Coppola no novo filme “Megalópolis”