“Gostou?”, a pergunta flutua na tela do celular, acompanhada da foto de uma placa de argila recortada no formato de um naipe de espadas. Observo melhor os traços finos cavados na superfície achatada e percebo que imitam escamas. Um peixe. Mais um, aliás, da série em que meu namorado, ceramista de mão cheia, vem trabalhando.
Gosto, claro. As peças, todas elas, estão ficando um primor. Naquela da foto, falta talvez um detalhezinho, e é isso o que, depois de alguns segundos refletindo, tento transmitir ao artista. “E se tu fechasse a… a… a…”. A palavra não vem, e eu começo a entrar em pânico. Importante ressaltar que não, não namoro um estrangeiro. A língua que mordo é a minha. Língua materna, nativa e íntima. No desespero, peço ajuda: “como é mesmo o nome do braço do peixe?”.
Braço do peixe. Braço do peixe.
Episódios como esse têm sido cada vez mais comuns. Memória nunca foi o meu forte, assumo, mas minha deficiência na retenção de informações tem atingido níveis periclitantes. E, a partir dos relatos de pessoas próximas, vejo que não é só comigo. Trata-se de um problema generalizado. Geracional, até. Pouco importa que, um dia, tenhamos sido capazes de decorar cada etapa do Ciclo de Krebs ou de entender todas as nuances da Hermenêutica Constitucional contemporânea. O fato é que, hoje, nossa reminiscência se tornou evanescente – lembranças derretem como algodão doce em contato com a água.
Por que estamos perdendo nossa capacidade de memorização?
Primeiro, o envelhecimento. Telômeros se encurtam, ossos se reabsorvem, coxins malares se afrouxam. Previsível que, depois de anos puxando o cabelo (muitas vezes nem tão metaforicamente assim), sobrasse também para o coitado do cérebro. A massa cinzenta diminui de volume, a irrigação sanguínea mingua. Os neurônios, aqueles que restaram, seguem abatidos, desgastados, e, teimosos como um senhorzinho rabugento, se recusam a recorrer a antigas sinapses. Nesses casos, excluídos quadros patológicos, o esgarçamento da memória é natural e até desejado: a alternativa é ter morrido. Entre gaguejar à procura de um nome e partir dessa para uma melhor (ou pior), a maioria haveremos de ficar com a primeira opção.
Em segundo lugar, os hábitos de saúde, sobretudo o que ingerimos. Dizem que, consumindo menos alimentos pró-inflamatórios, dissipamos a tal da brain fog, a sensação de que, dentro da cabeça, uma espécie de névoa nos impede de encontrar o que quer que estejamos procurando – para alcançar a palavra justa ou capturar a ideia perfeita, batemos mindinhos mentais em quinas psíquicas e, às vezes, nunca chegamos a escapar do labirinto. Uma grande amiga, aliás escritora também, acaba de cortar açúcares, refrigerantes e frituras. Ela me disse que melhorou muito. Pena que, para mim, essa drástica medida seria impossível. Além das toxinas, a dieta levaria embora o restinho de felicidade cotidiana que essas comidas me trazem.
Em terceiro lugar, as sequelas neurológicas decorrentes da contaminação por SARS-CoV-2. Cientistas falam em resposta imune, hipóxia, declínio cognitivo, uma gama de termos técnicos que, numa tradução meio perversa, transpõem para a fisiologia cerebral o que o brasileiro já sabia com o fígado: a Covid-19 é um mal de lacunas irreparáveis. Será que são mais de 700 mil as sinapses que morreram em quem sobreviveu à doença?
Depois, o cansaço crônico. Para mim, tem sido assim: quando, toda manhã, acordo de sonhos intranquilos, é com muito pesar que descubro que não me metamorfoseei num inseto monstruoso e que, por isso, preciso me levantar e encarar um dia de humaníssimas obrigações. Além do trabalho principal, aquele que paga as contas, há também um (ou dois, ou três) trabalhos paralelos, aqueles em que a gente insiste mais por paixão (que, lembremos, é uma forma de loucura) do que por razão. Fora as plantas para regar, as idas ao mercado, as faxinas na casa, os gatos para alimentar, a família para visitar, os amigos para entreter, a crônica para escrever, o Reels para montar, o idioma estrangeiro para aprender, a pós-graduação e o mestrado que, por quê, meu Deus?, a gente deu de querer fazer. E tudo cansa. Tudo. Tudo toma espaço em nossa máquina intracraniana. Superaquecido, superatribulado, superlotado, nosso cérebro range e estala e solta fumaça, como se prestes a pifar.
Por fim, podemos pensar que o buraco do nosso esquecimento é mais embaixo – não na cabeça, mas ali, no meio do peito, bem onde fica o coração. Como antídoto à pieguice, que nos ajude a etimologia: estamos perdendo nossa capacidade de memorização porque talvez estejamos perdendo nossa capacidade de recordação. Se recordar vem do latim recordare, fazer passar de novo pelo coração, talvez esteja nele, e não no cérebro, o que precisa ser consertado. Com informações em excesso e tempo em rarefação, passamos pela superfície de tudo, sem arranjar pouso ou pausa em canto nenhum. Sem receber nossa atenção plena, as coisas deixam de importar – e, se não importam, tornam-se descartáveis, esquecíveis.
Independentemente da causa, o que de fato causa terror é a pergunta que sempre vem depois: há remédio possível? Sequer me atrevo a investigar.
E é nadadeira. O nome do braço do peixe é nadadeira. Me lembrei logo depois, quando, cheio de angústia, comecei a ruminar as hipóteses que deram estofo a essa crônica. Corri para anotá-las porque sabia que, do contrário, em instantes ia acabar me esquecendo de tudo.
Data de Lançamento: 21 de novembro
Retrato de um Certo Oriente, dirigido por Marcelo Gomes e inspirado no romance de Milton Hatoum, vencedor do Prêmio Jabuti, explora a saga de imigrantes libaneses no Brasil e os desafios enfrentados na floresta amazônica. A história começa no Líbano de 1949, onde os irmãos católicos Emilie (Wafa’a Celine Halawi) e Emir (Zakaria Kaakour) decidem deixar sua terra natal, ameaçada pela guerra, em busca de uma vida melhor. Durante a travessia, Emilie conhece e se apaixona por Omar (Charbel Kamel), um comerciante muçulmano. Contudo, Emir, tomado por ciúmes e influenciado pelas diferenças religiosas, tenta separá-los, o que culmina em uma briga com Omar. Emir é gravemente ferido durante o conflito, e Emilie é forçada a interromper a jornada, buscando ajuda em uma aldeia indígena para salvar seu irmão. Após a recuperação de Emir, eles continuam rumo a Manaus, onde Emilie toma uma decisão que traz consequências trágicas e duradouras. O filme aborda temas como memória, paixão e preconceito, revelando as complexas relações familiares e culturais dos imigrantes libaneses em um Brasil desconhecido e repleto de desafios.
Data de Lançamento: 21 de novembro
A Favorita do Rei é um drama histórico inspirado na vida de Jeanne Bécu, filha ilegítima de uma costureira humilde, que alcança o auge da corte francesa como amante oficial do rei Luís XV. Jeanne Vaubernier (interpretada por Maïwenn) é uma jovem ambiciosa que, determinada a ascender socialmente, utiliza seu charme para escapar da pobreza. Seu amante, o conde Du Barry (Melvil Poupaud), enriquece ao lado dela e, ambicionando colocá-la em um lugar de destaque, decide apresentá-la ao rei. Com a ajuda do poderoso duque de Richelieu (Pierre Richard), o encontro é orquestrado, e uma conexão intensa surge entre Jeanne e Luís XV (Johnny Depp). Fascinado por sua presença, o rei redescobre o prazer da vida e não consegue mais se imaginar sem ela, promovendo-a a sua favorita oficial na corte de Versailles. No entanto, esse relacionamento escandaloso atrai a atenção e o desagrado dos nobres, provocando intrigas e desafios que Jeanne terá de enfrentar para manter sua posição privilegiada ao lado do monarca.
Data de Lançamento: 21 de novembro
Em A Linha da Extinção, do diretor Jorge Nolfi, nas desoladas Montanhas Rochosas pós-apocalípticas, um pai solteiro e duas mulheres corajosas se veem forçados a deixar a segurança de seus lares. Unidos por um objetivo comum, eles embarcam em uma jornada repleta de perigos, enfrentando criaturas monstruosas que habitam esse novo mundo hostil. Com o destino de um menino em suas mãos, eles lutam não apenas pela sobrevivência, mas também por redenção, descobrindo a força da amizade e o poder da esperança em meio ao caos. Essa aventura épica revela o que significa ser família em tempos de desespero.
Data de Lançamento: 21 de novembro
Baseado no musical homônimo da Broadway, Wicked é o prelúdio da famosa história de Dorothy e do Mágico de Oz, onde conhecemos a história não contada da Bruxa Boa e da Bruxa Má do Oeste. Na trama, Elphaba (Cynthia Erivo) é uma jovem do Reino de Oz, mas incompreendida por causa de sua pele verde incomum e por ainda não ter descoberto seu verdadeiro poder. Sua rotina é tranquila e pouco interessante, mas ao iniciar seus estudos na Universidade de Shiz, seu destino encontra Glinda (Ariana Grande), uma jovem popular e ambiciosa, nascida em berço de ouro, que só quer garantir seus privilégios e ainda não conhece sua verdadeira alma. As duas iniciam uma inesperada amizade; no entanto, suas diferenças, como o desejo de Glinda pela popularidade e poder, e a determinação de Elphaba em permanecer fiel a si mesma, entram no caminho, o que pode perpetuar no futuro de cada uma e em como as pessoas de Oz as enxergam.
Data de Lançamento: 20 de novembro
No suspense Herege, Paxton (Chloe East) e Barnes (Sophie Thatcher) são duas jovens missionárias que dedicam seus dias a tentar atrair novos fiéis. No entanto, a tarefa se mostra difícil, pois o desinteresse da comunidade é evidente. Em uma de suas visitas, elas encontram o Sr. Reed (Hugh Grant), um homem aparentemente receptivo e até mesmo inclinado a converter-se. Contudo, a acolhida amistosa logo se revela um engano, transformando a missão das jovens em uma perigosa armadilha. Presas em uma casa isolada, Paxton e Barnes veem-se forçadas a recorrer à fé e à coragem para escapar de um intenso jogo de gato e rato. Em meio a essa luta desesperada, percebem que sua missão vai muito além de recrutar novos seguidores; agora, trata-se de uma batalha pela própria sobrevivência, na qual cada escolha e cada ato de coragem serão cruciais para escapar do perigo que as cerca.