Ao som de Terral, de Ednardo.
— Vai bem me dizer que tu nunca comeu uma tapioca assim, pura, enroladinha, só com manteiga?
Meu namorado me lança um olhar entre o ultraje, como se eu tivesse acabado de proferir uma blasfêmia, e a dúvida, tentando entender se eu estava falando sério. Insisto solenemente. A tapioca verdadeira, a da minha infância, antes da diáspora e da gourmetização pelo Brasil e pelo mundo, se comia só com manteiga, enrolada sobre si mesma, quentinha ainda. Sem recheio, sem nada – quando muito, requeijão.
Falo com tanta empolgação que ele desiste dos cogumelos salteados e se convence a experimentar a receita original. Eu não cozinho nada, então repasso a ele ingredientes e modo de fazer. Basta espalhar a goma pela frigideira, esperar dar liga, jogar o disco aberto em um prato e, com a barriga da colher, desenhar um sol amarelo-manteiga. Depois é ir enrolando e empilhando as tapiocas, que, de textura firme e elástica, devem se manter inteiriças – são de se comer com as mãos.
Não funciona. Primeiro, porque me esqueci de listar o terceiro e talvez mais importante ingrediente: sem sal, a tapioca quase não tem gosto. Segundo, porque a gastronomia é uma ciência de números e métricas, e, sob minhas nada exatas instruções, meu namorado erra o tempo de fogo. A goma está crua, desmonta ao toque, e, embora tenhamos consertado o sabor com uma pitada tardia de sal, a combinação resulta farinhenta, oleosa. Paulo prova e dá de ombros: a iguaria não lhe diz nada. A mim, ao contrário, diz muito.
O assunto começou porque, dois dias antes, havia sido aniversário de Fortaleza. 297 anos da Loura Desposada do Sol, epíteto que todo fortalezense aprende ainda na escola e que, confesso, me causava algum constrangimento quando criança. Talvez por entrever uma ironia depreciativa na pompa da expressão, talvez por antecipar dela algum contexto sexual subliminar, como se, uma vez abençoada a união entre aquela figura feminina e o astro-rei, fôssemos obrigados a assistir ali, em público, entre pessoas, calçadas, prédios e praias, à consumação das núpcias.
O fato é que minha relação com Fortaleza não é, nunca foi, das melhores. De maneira geral, não sou nem um pouco telúrico, e minha tendência a um pragmatismo frio – não é que meu coração seja de gelo, ele só não gosta mesmo é de calor demais – me levou, desde muito cedo, a querer ir embora da minha cidade natal. Fui e sou muito julgado por isso, mas, se uma terra não nos satisfaz, por que fincar raízes nela?
Sempre houve, que ninguém se engane, uma duna de razões objetivas para que eu amasse a cidade – razões movediças, mas nem por isso menos monumentais: quarto maior centro urbano do país, estrutura de metrópole, opções infinitas de lazer e comércio a qualquer hora do dia, paisagens esplendorosas, brisa-acalanto perene, comida excepcional. Mas a verdade é que nada disso foi suficiente nem para amainar meu ressentimento, nem para amansar meu constante ímpeto de bater no peito e bradar meus desamores ao torrão natal.
Naquela mesma semana, duas outras mulheres comemoravam aniversário. Por um desses traçados improváveis do destino, ponto-cruz acidental no tecido da vida, minha avó – a mãe do meu pai – e minha mãe nasceram no mesmo dia. Não eram parentes, mas, por força de um casamento e de uma história de luta comum, se amaram muito, e desde o primeiro momento. Depois também me amaram muito, mas, por força do mesmo casamento, agora em ruínas, precisaram, por sobrevivência, aprender a deixar de se amar.
O amor por mim eu acho que restou. Diferente, possibilizado, mas restou.
Com vovó eu falei ansioso porque tinha a impressão de que, como está velhinha, não ia me entender ou escutar tão bem. Eu estava errado. Ela conversou articulada, interativa, deu de fazer piadas e até fofocar em códigos, para que ninguém a seu lado pudesse decifrar nossas confidências. Ao final, eu disse “eu te amo”, e ela me respondeu de pronto, um privilégio que, sei, um dia cessará.
Com mamãe foi mais difícil. Precisei primeiro desbloqueá-la do telefone. Em seguida, após um pigarro e um aquecimento de voz – “alô, alô, alô”, um dos muitos costumes que herdei dela –, lhe enviei um áudio. Não chegou a ser pasteurizado, mas, depois de alguns meses sem nos falarmos, foi tudo o que logrei realizar. Falei bem-humorado e usei do humor – o humor, o humor, sempre o humor – para encobrir feridas e massagear machucados. Dois minutos e sete segundos. À meia-noite, o dia virou, indiferente a festas e amarguras humanas. O aniversário de minha mãe acabou sem que ela escutasse os parabéns de seu filho mais velho.
Acho que sou injusto com Fortaleza. Talvez, no fundo, eu até goste da minha cidade – talvez, no fundo, eu só não goste mesmo é de como nela eu fui infeliz.
Dedos lambuzados e lábios brilhando de manteiga, vou revisitando a tapioca. Aproveito a ocasião para finalmente mostrar a meu namorado a canção que diz: eu sou da nata do lixo, eu sou do luxo da aldeia, eu sou do Ceará. É quase um bordão meu, e, nos últimos meses, foram inúmeras as vezes em que, inusitadamente orgulhoso, me vi declamando os versos para uma plateia que, longe demais da minha terra, longe demais do meu passado, jamais poderia reconhecer neles um pedaço tão dolorido e tão importante da minha história.
Para minha surpresa, sem entender o porquê, começo a chorar. Um choro discreto, mas incontrolável, persistente, que faz minha voz ondular e desafinar. Apesar disso, não me dobro: canto a música todinha, até o fim, e em voz alta. Meu namorado não se assusta, parece entender melhor do que eu o que está acontecendo ali. A canção acaba. Enquanto as lágrimas ainda cavam trilha em meu rosto e eu termino de comer a tapioca, observo, de longe, o céu de chumbo de Curitiba. Na terra é pleno abril.
Data de Lançamento: 21 de novembro
Retrato de um Certo Oriente, dirigido por Marcelo Gomes e inspirado no romance de Milton Hatoum, vencedor do Prêmio Jabuti, explora a saga de imigrantes libaneses no Brasil e os desafios enfrentados na floresta amazônica. A história começa no Líbano de 1949, onde os irmãos católicos Emilie (Wafa’a Celine Halawi) e Emir (Zakaria Kaakour) decidem deixar sua terra natal, ameaçada pela guerra, em busca de uma vida melhor. Durante a travessia, Emilie conhece e se apaixona por Omar (Charbel Kamel), um comerciante muçulmano. Contudo, Emir, tomado por ciúmes e influenciado pelas diferenças religiosas, tenta separá-los, o que culmina em uma briga com Omar. Emir é gravemente ferido durante o conflito, e Emilie é forçada a interromper a jornada, buscando ajuda em uma aldeia indígena para salvar seu irmão. Após a recuperação de Emir, eles continuam rumo a Manaus, onde Emilie toma uma decisão que traz consequências trágicas e duradouras. O filme aborda temas como memória, paixão e preconceito, revelando as complexas relações familiares e culturais dos imigrantes libaneses em um Brasil desconhecido e repleto de desafios.
Data de Lançamento: 21 de novembro
A Favorita do Rei é um drama histórico inspirado na vida de Jeanne Bécu, filha ilegítima de uma costureira humilde, que alcança o auge da corte francesa como amante oficial do rei Luís XV. Jeanne Vaubernier (interpretada por Maïwenn) é uma jovem ambiciosa que, determinada a ascender socialmente, utiliza seu charme para escapar da pobreza. Seu amante, o conde Du Barry (Melvil Poupaud), enriquece ao lado dela e, ambicionando colocá-la em um lugar de destaque, decide apresentá-la ao rei. Com a ajuda do poderoso duque de Richelieu (Pierre Richard), o encontro é orquestrado, e uma conexão intensa surge entre Jeanne e Luís XV (Johnny Depp). Fascinado por sua presença, o rei redescobre o prazer da vida e não consegue mais se imaginar sem ela, promovendo-a a sua favorita oficial na corte de Versailles. No entanto, esse relacionamento escandaloso atrai a atenção e o desagrado dos nobres, provocando intrigas e desafios que Jeanne terá de enfrentar para manter sua posição privilegiada ao lado do monarca.
Data de Lançamento: 21 de novembro
Em A Linha da Extinção, do diretor Jorge Nolfi, nas desoladas Montanhas Rochosas pós-apocalípticas, um pai solteiro e duas mulheres corajosas se veem forçados a deixar a segurança de seus lares. Unidos por um objetivo comum, eles embarcam em uma jornada repleta de perigos, enfrentando criaturas monstruosas que habitam esse novo mundo hostil. Com o destino de um menino em suas mãos, eles lutam não apenas pela sobrevivência, mas também por redenção, descobrindo a força da amizade e o poder da esperança em meio ao caos. Essa aventura épica revela o que significa ser família em tempos de desespero.
Data de Lançamento: 21 de novembro
Baseado no musical homônimo da Broadway, Wicked é o prelúdio da famosa história de Dorothy e do Mágico de Oz, onde conhecemos a história não contada da Bruxa Boa e da Bruxa Má do Oeste. Na trama, Elphaba (Cynthia Erivo) é uma jovem do Reino de Oz, mas incompreendida por causa de sua pele verde incomum e por ainda não ter descoberto seu verdadeiro poder. Sua rotina é tranquila e pouco interessante, mas ao iniciar seus estudos na Universidade de Shiz, seu destino encontra Glinda (Ariana Grande), uma jovem popular e ambiciosa, nascida em berço de ouro, que só quer garantir seus privilégios e ainda não conhece sua verdadeira alma. As duas iniciam uma inesperada amizade; no entanto, suas diferenças, como o desejo de Glinda pela popularidade e poder, e a determinação de Elphaba em permanecer fiel a si mesma, entram no caminho, o que pode perpetuar no futuro de cada uma e em como as pessoas de Oz as enxergam.
Data de Lançamento: 20 de novembro
No suspense Herege, Paxton (Chloe East) e Barnes (Sophie Thatcher) são duas jovens missionárias que dedicam seus dias a tentar atrair novos fiéis. No entanto, a tarefa se mostra difícil, pois o desinteresse da comunidade é evidente. Em uma de suas visitas, elas encontram o Sr. Reed (Hugh Grant), um homem aparentemente receptivo e até mesmo inclinado a converter-se. Contudo, a acolhida amistosa logo se revela um engano, transformando a missão das jovens em uma perigosa armadilha. Presas em uma casa isolada, Paxton e Barnes veem-se forçadas a recorrer à fé e à coragem para escapar de um intenso jogo de gato e rato. Em meio a essa luta desesperada, percebem que sua missão vai muito além de recrutar novos seguidores; agora, trata-se de uma batalha pela própria sobrevivência, na qual cada escolha e cada ato de coragem serão cruciais para escapar do perigo que as cerca.