Nas quintas.docx

Foto: Haley Phelps/Unsplash

As braçadas de crawl mergulhavam alternadamente as mãos na piscina respingando água e energia, fazendo o coração acelerar e o sangue circular tão vivo que parecia dar para sentir de imediato o pulmão ficando limpinho, as coxas definindo e a saúde exalando no suor diluído na água. Nada parecido com as outras noites de quinta-feira, do já tradicional dogão com cervejinha. 

É que lá no prédio, toda quinta tem cachorro-quente daqueles bem caseiros por míseros dez pilas. Então não foi nem por apego a rotinas que a tradição se instalou em nossa casa. Mas quando se tem, a alguns andares pra baixo, um dogão delícia por dez contos, do jeito que estão os preços das coisas, não tinha como nossas noites de quinta não se transformarem em noites de comer cachorro-quente.

Pelas coincidências adoráveis da vida, o cachorro-quente é vendido no bar bem ao lado da piscina, e quinta de noite também era o único horário disponível para a tal natação – uma das promessas de novo ano que ainda está sendo cumprida. Nem a tortura da tentação de ficar cara a cara com a gula foi capaz de desmotivar a mudança de rotina. Num rompimento súbito de tradições, iniciado nesta quinta, o relaxamento noturno do corpo agora viria de outro jeito.

Os vidros suados que cercavam a piscina coberta terminavam exatamente no balcão do barzinho, que além de cachorro quente, vende também cerveja – mas essa hiperinflacionada. Foi surpresa não ver exatamente ninguém sentado em uma das três mesinhas em frente ao bar, e ver aquela piscina com todas as raias ocupadas – não de gente boiando, mergulhando e tirando uma pira, mas de pessoas efetivamente nadando, treinando, ou algo que o valha. 

Ainda nos primeiros minutos, dentro daquela estufa eu já suava com o bafo da umidade e me perguntava se iria aguentar até o final da aula.  Os estalos dos chinelos ecoando no chão molhado não eram música. Depois de acho que duas piscinadas nadando – eu não estava prestando tanta atenção assim a ponto de contar – olho para piscina, e ela cansada, sorri. Enquanto ela toma um belo gole d’água da garrafinha que estava apoiada na borda, eu dou mais uma bicada na cerveja. Ouço meu nome e vejo um aceno em minha direção, meu cachorro-quente ficou pronto, e eu não sou de romper com boas tradições.

Por Raisa Gradowski
15/02/2022 20h00

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