Meu ano de descanso e relaxamento

Foto: Amazon.

Enquanto lia “Meu ano de descanso e relaxamento”, da Otessa Moshfegh, anotei as seguintes palavras em um post-it verde pastel que combinava com a capa: “arrogante, rica, insuportável, autoafirmação constante”.

Meu ano de descanso e relaxamento” é narrado por uma mulher de 26 anos que resolve tirar um ano para espairecer. A forma como ela decide fazer isso é a parte curiosa: com a ajuda de uma psiquiatra completamente negligente, ela consegue acesso a inúmeros remédios sedativos e, abusando deles, resolve dormir por um ano inteiro.

O livro começa com a personagem explicando como ela pretende fazer isso. Basicamente, suas contas estão em débito automático; a antiga casa de seus pais foi alugada e o dinheiro pago pelos inquilinos cai mensalmente em sua conta, assim como seu seguro desemprego; o pagamento dos impostos anuais do apartamento já foi feito e, para fechar com chave de ouro, ela tem dinheiro suficiente guardado para sustentá-la durante alguns anos. A única coisa que ela precisa fazer é comer, necessidade que ela resolve indo ao bar da esquina e comprando dois cafés e biscoitos em formato de bichinhos. Esse é o cenário.

Lendo isso, pensei que iria me deparar com uma mulher deprimida e insegura, do tipo que te deixa chorona e com dó. Na verdade, a protagonista é extremamente arrogante e mesquinha, demonstrando um complexo de superioridade absurdo. No começo da leitura, isso me incomodou muito e xinguei ela mentalmente várias vezes. Acontece que, conforme o passado dela vem à tona, você entende os motivos dela.

Uma das minhas coisas favoritas na história é a amizade dela com Reva, uma mulher que liga muito para as aparências e constantemente tenta se adequar à uma realidade que não é a sua: a das pessoas ricas com quem convive. Além disso, ela lida com um transtorno alimentar e problemas com bebidas alcóolicas. No meio de todo esse caos, Reva tenta ajudar a amiga que não quer nenhum pouco ser ajudada. A relação das duas é baseada em Reva tentando se aproximar, enquanto a personagem principal reclama dela.

O que me cativou nessa relação foram momentos muito pontuais do livro. Os momentos em que a protagonista se deixou ser vulnerável e demonstrou, mesmo que minimamente, o que realmente sentia por Reva. Não é uma relação saudável e talvez por isso tenha me tocado tanto.

Quanto aos gatilhos do livro, prepare-se porque são muitos. Você vai entrar em contato com alcoolismo, transtornos alimentares, suicídio, sintomas graves de depressão e abuso sexual. Acho que a parte mais perigosa é que rola uma romantização de tudo isso. É uma mulher rica e deprimida que escolhe dormir um ano todo, algo que pode parecer uma ótima ideia para um jovem deprimido atualmente. Se você não estiver num bom momento, talvez não seja uma boa ideia começar essa leitura. Além do mais, os nomes dos medicamentos que ela usa são explícitos. A única droga que é inventada é o infermiterol, responsável pelos maiores surtos desse livro. E eu obviamente não vou te contar quais são e como eles acontecem.

O livro é bom, a leitura é fluida e não é um livro muito longo. Ele me lembrou um pouco a escrita de Sylvia Plath – meu xodó, apesar dos pesares -, e também o pouco que conhecemos dela por meio de suas biografias. Não é uma personagem que cativa muita gente, mas gostei muito dela depois que entendi o que levou ela até ali. Surpreendendo zero pessoas, tendo em vista meu apego por histórias que têm como protagonista mulheres com transtornos de personalidade, se tornou um dos meus livros favoritos.

Ah, se você ainda não tá curioso pra ler, preciso te contar que a última página do livro tem um plot twist. Sim, daqueles que te deixam com a boca aberta. Talvez eu tenha até chorado um pouquinho.

Boa leitura!

Por Yasmin Barsch
09/12/2021 19h44

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