Uma experiência de quase morte

lgbt-curitiba

A cada vez que alguém sente o apelo da diferença em seu desejo, provavelmente terá de vencer séculos de repressão para chegar ao epicentro do seu eu.”

João Silvério Trevisan, Devassos no paraíso.

No texto de semana passada, ressaltei a importância de a comunidade LGBT se assumir e tomar o seu lugar de direito no espaço público. Apontei também batalhas que são travadas por homossexuais que vivem quem são publicamente. Nesta semana, eu gostaria de compartilhar a minha experiência com a homofobia e a descoberta da luta pelo direito de desejar diferente:

lgbt-curitiba

Esta imagem é uma homenagem ao menino Peterson Ricardo de Oliveira, 14, que morreu após um ataque homofóbico porque seus pais eram gays. Você estará em nossos corações, junto a todos que morreram lutando por amor, enquanto continuamos lutando por um mundo onde não exista mais dor na causa LGBT.

É assustador quando você percebe que já passou por uma situação em que poderia ter morrido, mas nem se deu conta. Com a homofobia é quase sempre assim, você é agredido apenas por ser diferente. Com o Senador Jean Wyllys é sempre assim, com o teu melhor amigo gay vai ser assim, comigo foi assim.

A minha experiência aconteceu em mais um dia normal de treino, exceto pela presença do meu então namorado na plateia. Era costume que as meninas levassem seus companheiros porque os jogos acabavam tarde. Era comum também que eles mantivessem gestos afetivos durante os intervalos.

O treinador tinha o hábito de fazer uma série de alongamento e aquecimento antes do break que precedia a partida amistosa. E foi nesse período que corri até o meu parceiro e o beijei, como todas as meninas sempre faziam. Uma voz grave ecoou pelo ginásio em sinal de advertência, ela vinha do segurança que assistia à cena.

Ele chegou até nós dois e falou: “Pode parar, é proibido se beijar dentro do ginásio”. Seus olhos vermelhos indicavam a violência por trás das suas palavras. O problema da homofobia é que ela vem em forma de um impulso violento por culpa da intolerância. Então, restou-me a submissão, a revolta e o afastamento.

O treinador, que vira tudo de um canto, colocou-nos para jogar e foi conversar com o segurança. Ele me confessou, depois, que não aguentou assistir àquela ação preconceituosa sem repreender o profissional, que considerava seu amigo. O que nenhum de nós dois entendeu foi o porquê de um homem negro, que sabe o que é viver em uma sociedade restritiva e racista, ter nos atacado com um ódio que ele também sofre todos os dias.

Esbarrei na linha tênue entre a vida e a morte alguns minutos mais tarde naquela noite. O motivo foi um sussurro, dois sorrisos e o que o segurança considerou uma distância inapropriada para dois homens estarem. Como em desenhos infantis, ele nos retirou da quadra pelos colarinhos. Fomos arremessados para fora e colocados no chão com um par de chutes nas costelas. “Se tentarem entrar novamente no espaço, podem estar certos de que as coisas serão diferentes”, disse.

Não me dei conta, na hora, de que a identidade de um homossexual é a diferença entre a sua morte e a sua existência. Em partes, eu morri naquele dia. Morri porque deixei que alguém me fizesse abrir mão de quem eu sou para ser aceito em um espaço. Mas, ao mesmo tempo, garanti a minha permanência física e a minha luta nesta sociedade por não ter revidado. Ser homossexual é viver suscetível a experiências de quase morte por causa da homofobia.

Se você gosta de poesia, semana que vem vou falar sobre uma poetisa que viu em outra mulher e no Brasil a inspiração para sua arte.

Por Lucas Panek
24/03/2015 00h00