Todo o ‘Estilo Livre Musical’ da órbita viajante do MC AfroRagga

“O RAP é tudo isso ao mesmo tempo, segmento, estilo, gênero e uma prosa cantada. RAP significa ritmo e poesia. É uma grande cultura que tem significados e usos profundos em diversos caminhos”, sugere o MC e cantor brasiliense AfroRagga sobre as possibilidades que definem qual é o significado do RAP. Afro, ou Ragga, como também é chamado, consolidou sua musicalidade em 2006, ao definir sua poética como “Estilo Livre Musical”. Influenciado pelo estilo jamaicano do Reggase Dancehall e apresentado ao mundo da rima pelo DJ Liso, em Brasília, AfroRagga também é integrante do grupo Música Orbital Viajante Não IdentificadaMOVNI, ao lado dos cantores Nauí e Doctor Zumba. Desta junção, foram indicados entre os 30 melhores discos de 2014 ao lado de Racionais MCs, Nação Zumbi, Luiz Melodia e outras pedradas musicais.

Qual é a relevância deste fato na carreira de AfroRagga? Talvez, no âmbito mercadológico seja um cartão de visita, mas, pessoalmente, Ragga não se deslumbra com estes qualitativos. “Aqui tem uns artistas punks que chutaram o pau da barraca e estão criando os seus caminhos e vivendo de forma próspera (…)”, autêntico e aberto a contestações e transmutações sobre qualquer tema, esta é a autenticidade de AfroRagga.

Desde que lançou seu primeiro álbum intitulado “Estilo Livre Musical” (2012), feito no estúdio Indústria Kamika-Z, por Duckjay, as letras de AfroRagga contestam e insinuam a esperança de um espaço onde os semelhantes são desapercebidos entre si. Em um momento em que muitos querem a abdução, Ragga propõe um novo sentido orbital em sua música, como na faixa “Poder Musical”, ao rimar “Tem música pra todo gosto/ tem música pra todo corpo/ Tem música pra todo gosto/ e corpo e rosto e povo”.

De passagem por Curitiba para participar do lançamento do clipe “No Flow”, de sua irmã, a cantora e compositora Janine Mathias, no espaço cultural Solimões 541, o MC e cantor AfroRagga chega no flow e apresenta seu RAP para o Curitiba Cult.

Curitiba Cult: O RAP tem sua similaridade com o samba. Por que, quando surgiram, a palavra cantada traduzia o cotidiano vivenciado por estas comunidades. Neste sentido, hoje em dia, o RAP se consolida no cenário da mesma forma quando surgiu. Mas as rimas, bem como, a construção poética do RAP, ampliam e denunciam diversas situações políticas. Como é a sua relação com o RAP e a partir de onde e quando nascem suas letras?

AfroRagga: Eu sou um cantor estilo livre, mas sem dúvida o RAP foi a chave para solidificar a minha musicalidade. Tudo que o estilo carrega eu absorvi o máximo – a sua rebeldia, a simplicidade na produção, as rimas, a reflexão, a crítica. Só não a vestimenta, porque eu não costumo andar como rapper comum (risos).

Sobre o nascimento das letras, eu costumo utilizar um processo de invocação – escuto a batida buscando encontrar os caminhos e os temas que podem se encaixar bem sonoramente com aquele arranjo. Dependendo do tema eu costumo ler, refletir e ao mesmo tempo escrever frases e trechos que vão surgindo e se mostrando como importantes. Com alguns sons, quando têm temas mais abertos e poéticos, procuro seguir o fluxo da sonoridade, mas também busco dar sentidos nessas ideias mesmo que sejam soltas.

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Embora, ainda hoje o RAP tenha seus estereótipos midiáticos, há dez anos o movimento tem se consolidado de forma avassaladora e conquistado cada vez mais espaço no cenário fonográfico e midiático. Ainda assim, em cada canto do Brasil, o RAP possui suas especificidades e trajetória. Você, que circula por diversos guetos dessa dimensão, consegue fazer uma análise sobre o atual cenário do RAP em relação ao início da sua carreira?

Eu comecei numa época em que o RAP já estava sendo bem aceito, e atualmente ele tem seu espaço garantido popularmente. A mídia também tem abraçado muito mais do que antes o estilo. Quando comecei meus estudos de rapper em 2004, o RAP no geral já vinha numa crescente. Era bem comum chegar na casa das pessoas e ter aquele DVD de RAP gringo rolando sons como 50 Cent, Snoop Dog, Busta Rhymes etc. Rappers e grupos como SP Funk, Sabotage, Black Alien e Gabriel o Pensador também estavam pavimentando a estrada para que o RAP nacional ficasse ainda mais popular como é hoje.

O que difere o mercado internacional em relação ao que é produzido no Brasil?

Primeiramente o acesso aos equipamentos e o avanço tecnológico (falando especificamente em EUA) – lá é mil vezes mais barato e mais rápido de se adquirir itens mais modernos. Por isso, os produtores e artistas de lá conseguem se desenvolver mais cedo e com mais possibilidades tecnológicas. Um brasileiro, para ter os mesmos equipamentos, demora muito mais tempo e consegue com muito mais dificuldade, devido a diversos fatores que vão de poder de compra nacional a impostos abusivos.

Segundo a mentalidade de negócios, os americanos e outros países são bem resolvidos quanto ao business. Eles entendem que, para viver de música, é preciso pensar de forma planejada e com estratégia mercadológica de cada passo da carreira artística para assim dominar o seu público, criar renda para ter sustentabilidade financeira e continuar o trabalho de forma duradoura e próspera.

No Brasil ainda é tabu para muitos rappers e para os próprios ouvintes aceitar que um profissional ganhe dinheiro. Muitos têm essa ignorância de pensar que só porque o RAP nasceu na favela você precisa continuar favelado a vida inteira. Inclusive essa mentalidade segrega as pessoas que têm mais condição financeira, que gostam do estilo e que desejam colaborar com o mercado do RAP nacional. Mas aqui tem uns artistas punks que chutaram o pau da barraca e estão criando os seus caminhos e vivendo de forma próspera, como o Emicida. Se você quer entender e ter um exemplo de como construir um mercado no rap nacional, é só estudar esse cara. Eu sou da vertente punk porque ninguém vai pagar as minhas contas. Eu diria que essas são as diferenças mais notórias.

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Além do seu trabalho solo, você integra o MOVNI. Como surgiu o projeto e quais são pretensões com o grupo?

O MOVNI foi a união natural de pessoas que admiraram mutuamente o trampo de cada uma e que desejavam experimentar e fazer músicas sem limite de arranjo ou tema. É formado por mim, Nauí e Doctor Zumba e existe desde 2012. Somos os novos candangos (risos).

Nós pretendemos ser uma potência musical nacional no nível da nossa escola fonográfica chamada Strange Music – a maior marca de RAP alternativo dos EUA. Queremos ser uma força musical similar no Brasil. Essa pretensão se estende em colaborar com o profissionalismo e o crescimento do pensamento negocial na música brasileira alternativa, principalmente no RAP.

>> Conheça o som do MOVNI

Você se lembra como foi a sua primeira rima e de que forma ela surgiu?

Minha primeira rima improvisada saiu na rua, na praça do DI em Taguatinga, em Brasília. Apesar de eu ter uma boa memória, não lembro como foi a rima, e com certeza deve ter sido bem ruim, porque eu tava no começo. Eu até gaguejava (risos).

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Atualmente, o que você tem escutado e incorporado ao seu trabalho musical?

De tempos em tempos, eu pesquiso coisas novas, e o MOVNI troca muitas figurinhas de sons novos também. Gosto de navegar em sons antigos estilo anos 80 e de bandas que me influenciaram ou que já ouvi no passado e hoje, ouvindo mais velho, causam sensação diferente.

Atualmente tenho ouvido muito System Of a Down e a galera do Rap DF Nova Era como o grupo DNA (Da Nossa Alma) e Um Barril de Rap. Se eu fosse vocês buscaria o som desses caras no YouTube, eles são sensacionais.

Sendo brasiliense, é mais fácil rimar corrupção com sonegação ou amor com dor?

(risos) Boa pergunta. Aqui a gente é muito instigado a rimar amor com dor porque, por incrível que pareça, o brasiliense deve ser o cidadão brasileiro menos incomodado com corrupção que eu conheço. Ninguém aqui até onde sei tentou dar um tiro em político corrupto, e eu fico impressionado por isso não ter acontecido até hoje (risos). Como aqui é a terra do funcionalismo público, muita gente ganha bem e acha que isso basta. O dinheiro compra o conformismo da maioria das pessoas.

(Fotos: Dayana Luiza)

Por Lucas Cabana
28/10/2015 09h22