The Simple Life – Desbravando os 4 restaurantes populares de Curitiba

Janeiro. IPTU, IPVA, custos com escola/faculdade, 1° parcela dos presentes comprados em dezembro, o salário ficou todo no réveillon na praia e você deseja apenas que não tivesse comprado aquele peru de natal que custou 200 reais e que depois virou farofa porque só comeram as coxas.

Além disso, se você acompanhou esta coluna no final do ano passado, viu que teve ostentação atrás de ostentação. Foi tour pelos restaurantes MasterChef (aqui), itinerância pelos principais bares de drinks em Curitiba (aqui), visita aos hotspots millennials (aqui) e, pra concluir e abrir concordata de vez, um menu degustação completo no melhor restaurante do Brasil, o D.O.M, do chef Alex Atala (aqui). Não há 13° e 1/3 de férias que dê conta de tudo isso.

Mas se tem algo que a Paris Hilton e a Nicole Richie ensinaram ao mundo é como manter a elegância mesmo nos momentos mais tempestuosos e que a riqueza vem de dentro.

Por isso, avaliei as possibilidades dentro do meu orçamento, cobrei algumas dividas e resolvi conhecer quatro dos restaurantes mais bem avaliados em Curitiba, segundo o Google: os Restaurantes Populares Matriz (nota 4.1), CIC/Fazendinha (nota 4.4), Pinheirinho (nota 4.3) e Sítio Cercado (nota 4.2).

Mas antes de tudo, sempre é importante buscar informações prévias dos lugares que se vai conhecer. O contexto pode aprimorar a qualidade da experiência, especialmente quando se refere à gastronomia.

Para se ter uma ideia da proposta e da dimensão, os quatro restaurantes são administrados pela Secretaria Municipal de Abastecimento e funcionam através de uma parceria entre a Prefeitura de Curitiba e o Governo Federal, o que garante manter o preço de R$ 02,00 por pessoa e conseguir atender até 4.200 refeições por dia. O cardápio segue sempre uma mesma base composta por arroz, feijão, um tipo de carne, acompanhamento, salada e sobremesa, e tem supervisão permanente de nutricionista, no local.

Decidi também ler alguns dos reviews dos frequentadores, para ter uma ideia mais pragmática.

Logo de primeira, já me identifiquei com as sábias palavras do Jorge e vi que aquilo tinha sido escrito para mim naquele momento, afinal não somos milionários.

Na sequência, são várias notas 5 acompanhadas de elogios à limpeza do lugar, ao bom atendimento e salientando a importância do custo acessível. A Emp Incorporadora, inclusive, foi mais ousada ao ignorar completamente o Eleven Madison Park, a Osteria Francescana e o El Celler e alçar a unidade Sítio Cercado ao posto de melhor do mundo:

O que é totalmente crível, já que até Jesus abençoou:

Contudo, como disse Nelson Rodrigues, toda unanimidade é burra. E a divergência de pensamento é muito saudável para gerar discussão. Por isso, atentei-me também às críticas negativas, que, mesmo poucas, foram incisivas e se referiram principalmente às bebidas. A Jgelki, que é do meu time, reclamou da falta de drinks:

Já a Karolayne deu boa nota à comida, mas não poupou um duro comentário em relação ao sabor peculiar da água:

E o João acredita que a qualidade da comida poderia ser melhor em relação ao preço cobrado:

A última coisa era me atentar ao conselho da Soraia e ter cuidado com a pia do lavabo:

Lido isso, era o suficiente para chegar a uma noção geral e poder ir de fato conhecer os lugares.

O primeiro escolhido foi a unidade Matriz, que fica na Rua da Cidadania, da Praça Ruy Barbosa. O almoço é sempre servido das 11h às 14h e, dependendo do dia, há longas filas. Sendo um dia chuvoso, havia poucas pessoas, por isso fui direto ao guichê, na entrada principal do edifício, e comprei meu ticket pelo preço de R$ 02,00. Antes de ir ao restaurante, que fica no piso superior, percebi uma atração fotográfica que me chamou muito a atenção: Foto no Cavalinho na Hora. Por R$ 10,00 é possível levar de recordação uma foto sentado no pequeno pônei que fica exposto numa das laterais da entrada, mas, por maior que fosse minha vontade, o dono não permitiu que eu tirasse uma foto. Contrariado, desisti e fui almoçar.

Na porta do restaurante havia uma pequena aglomeração de pessoas esperando para entrar, todos com seus tickets em mãos. O atendimento é muito agilizado e em menos de 1 minuto eu já havia passado a roleta e me posicionado no buffet. A primeira atendente me entregou uma bandeja com prato, talheres e guardanapo. Queria prestar atenção a todos os detalhes, mas o processo é realmente rápido e logo a atendente seguinte, que serve o arroz, me perguntou “Quantas”. Não sabia o que dizer, mas arrisquei “Três” como resposta. Três enormes colheradas de arroz foram parar no meu prato e, quando percebi, outra atendente já estava colocando uma concha de feijão por cima de tudo, a outra um bife acebolado de tamanho considerável, uma porção de macarrão ao sugo, outra de salada verde e, pra fechar, uma laranja.

O salão do refeitório é composto por longas mesas brancas compartilhadas, onde é visto todo tipo de pessoa, trabalhadores uniformizados, idosos, famílias e pessoas bem humildes, possivelmente moradoras de rua. Escolhi aleatoriamente uma mesa e me sentei. Todos me cumprimentaram e sorriram.

A comida é boa e com pouco tempero. Acredito que seja pela grande quantidade de idosos que frequenta o lugar e que possivelmente tenha restrição a sódio. Mas isso não compromete o resultado. É exatamente como almoçar em outros buffets a quilo da região. Enquanto como, converso com meus consortes à mesa. Dona Efigênia reclama que a atendente que serve o feijão está de mau humor hoje. “Quando tá brava, ela joga o feijão no prato de qualquer jeito e desmonta todo o arroz. Fica feio assim. Igual uma sopa”, diz ela, apontando o prato. Pergunto o que eles acham da comida e um senhor me responde “Falta uma pimentinha. Às vezes eu trago de casa”. Parece uma dica importante de ser memorizada.

Percebo que uma cobradora de ônibus sentada próxima conversa com outro colega sobre a unidade do Pinheirinho, que vou conhecer no dia seguinte. “Aquilo cheira a mendigo. Eu não frequento. Faz tempo que não vou, mas, na última vez, tava difícil aguentar” esbraveja ela. Olho ao redor para avaliar a limpeza. Por conta do fluxo ininterrupto de pessoas, é impossível limpar toda a comida que cai sobre o chão e mesas, mas não chega a ser sujo. E mais pra frente vou descobrir que dos 4 restaurantes, o Matriz é o que tem mais problemas com limpeza e atendentes mal-humoradas.

Um homem sentado na minha frente pede licença e se retira, levando consigo sua bandeja. Eu o acompanho com o olhar para saber onde deixar a minha depois que terminar. Não quero parecer turista. Volto a atenção para minha laranja e continuo ouvindo Dona Efigênia, que não parou de falar em nenhum momento desde que eu cheguei. Qualquer pessoa que mantenha o mais fugaz contato visual com ela se torna imediatamente o próximo interlocutor, ou melhor, ouvinte. Comigo o assunto é sobre como ela burla as indicações médicas e vez ou outra compra uma garrafa de cerveja long neck para beber sozinha no caminho de volta para casa. Viro fã.

Me despeço de todos, guardo minha bandeja e vou embora. Dona Efigênia continua falando.

Nos dias subsequentes, visito as unidades Pinheirinho, CIC/Fazendinha e Sítio Cercado. Diferente do que professou a cobradora de ônibus, a unidade Pinheirinho é a mais limpa de todas e o público é composto majoritariamente por idosos. Na verdade, só há idosos e eu fico me sentindo numa excursão para Aparecida do Norte. Todo o ritmo é diferente, muito mais calmo e tranquilo, o que se reflete no humor de todos e, consequentemente, no resultado da comida, que tem um sabor melhor.

A unidade CIC/Fazendinha faz jus a nota mais alta das quatro, total de 4.4, e tem a comida mais gostosa e melhor preparada, especialmente o feijão. Mesmo sendo cardápios idênticos, com produtos oriundos de um único fornecedor e seguindo as mesmas receitas, os resultados tem nuances muito diferentes. A pessoa em frente ao fogão no preparo é determinante. E dessa lei não fogem nem simples restaurantes de comida caseira, como estes, nem franquias famosas assinadas por chefs renomados que não passam de atrações turísticas com pouca relevância gastronômica. Jamie Oliver cof, cof. Buddy Valastro cof, cof.

Conheço o Miro, um aposentado que almoça lá todos os dias desde que o restaurante foi inaugurado. Miro adora a comida do restaurante e contar as histórias mais maravilhosamente absurdas que ele consegue pensar, como a do Jacaré que ele ganhou de presente de um amigo e que se tornou seu pet por alguns anos, ou a vez em que ele cantou com Elis Regina ou ainda a da vez em que ele conversou com alienígenas e descobriu que eles tem uma base no Parque Tingui para reuniões secretas. De todas as opções disponíveis no mundo, acredito que o Parque Tingui realmente seja a melhor para ETs se encontrarem em reuniões de consultoria da Mary Kay.

Encerro minha jornada na unidade Sítio Cercado. E, nesse caso, jornada é uma palavra muito adequada, já que a distância e as dificuldade de deslocamento para se chegar de onde moro até lá sejam mais ou menos as mesmas do Condado até Mordor. Depois de algumas horas de transporte público e de quase não chegar antes das 14h, corro até o guichê e compro meu ticket. É sexta-feira e o cardápio é especial, dia de carne moída com ervilha e milho. Já fiz as contas e concluí que ervilha em conserva é uma das piores invenções da humanidade, por isso não é meu cardápio preferido. Mas penso que é o de muitas pessoas ali. As filas e o movimento às sextas, inclusive, são maiores em todos as unidade. A comida está gostosa e eu já me acostumei ao sabor sutil do tempero.

Os restaurantes populares tem duas metas: oferecer comida de qualidade e cumprir com uma importantíssima função social e de acessibilidade. As duas eles desempenham com louvor.

Além do nutricional, a comida tem um valor simbólico, cerimonial e de bem cultural imprescindível na construção do ser humano. É uma base de acesso que educa, inclui, transforma e dignifica. E isso fica evidente ao conhecer e conversar com as pessoas que ali almoçam. Ao todo, gastei R$ 08,00 para almoçar durante os quatro dias. E em todos a comida estava boa. Durante todo um mês, seriam aproximadamente R$ 40,00 para almoçar. Imagino como esse baixo custo pode otimizar um orçamento familiar apertado que tem tantas demandas urgentes.

Economizar sempre foi trend. Afinal, não importa o tamanho do seu orçamento, mas o jeito como você o usa.

Nesta próxima quinta-feira, dia 18, será inaugurado o Restaurante Popular Capanema, quinta unidade do projeto que ocupará o mesmo espaço embaixo do Viaduto do Capanema que já foi um dos primeiros restaurantes populares do Brasil e acabou sendo fechado em 2000. Essa é uma honrada e necessária atitude da Prefeitura que ampliará a oportunidade de acesso e aumento no número de pessoas atendidas.

That’s hot, Prefeitura.

Por Dimis
16/01/2018 13h42