Testemunha ocular

Hoje eu fui num café sozinha por pura vingança. Era a segunda vez que marcava com a mesma amiga. E a segunda vez que ela me dava o cano. Me arrumei e fui só de raiva. (Ei, miga, não to braba com você. No fundo, entendo porque também sou enrolada. Mas não perco um drama.)

Às minhas duas horas, tinha um rapaz e uma moça. Mas não parecia ser um casal. Não estava cada um teclando no seu celular. Não estavam se olhando apaixonados. Nem rindo. E nem discutindo. Definitivamente, não era um casal.

Mas, então, o que eram?

E por que eu precisava saber?

Eu não precisava, na verdade, mas estava ali sem fazer nada e sou curiosa. Se não fosse de comunicação, seria investigadora de polícia, detetive ou hacker.

Voltemos às evidências. Terça feira, 16:07, dois jovens, no segundo andar de uma cafeteira, perto do Centro de Curitiba. Por que eles estavam usando aquelas roupas? Ela com uma calça e uma blusinha da mesma estampa, uma pequena bolsa dourada com alça de corrente, sapato de salto. Ele com a cabelo alinhadinho, aparentemente, duro de gel (ruim de passar a mão), e uma camisa jeans de manga comprida abotoada nos pulsos. Jesus, porque não teve a ideia de dobrar as mangas pelo menos? Hum, talvez seja uma entrevista de emprego. Mas quem ta entrevistando quem? Ele é um piá. Pode ser entrevista de estágio. Será? Eu não contratava.

Acredita que ele pediu dois capuccinos? A garçonete perguntou: pequeno, médio ou grande?

Eu fiquei de longe torcendo: pequeno! Pequeno! Pequeno!

O guri diz: traz dois grandes. Eu: Uh! Coitados. Vão derreter.

Mas agora ficou claro. Tava um querendo impressionar o outro. Ela com a bolsa e ele com os capuccinos. Imagina a cara dos dois quando chegaram duas xícaras, que mais pareciam dois bowls, fumegando. Deu dó. Mas deu raiva também. Pedissem sorvete, poxa! Até eu que sou velha estava tomando um shake. Que ideia, tomar bebida quente naquele sol.

E a dúvida persistia. O que esse dois estão fazendo aqui?

Por alguns minutos tive que interromper minha apuração das evidências, para atender umas meninas que estavam na mesa do lado e pediram para eu tirar algumas fotos delas.

Foi aí que perdi um momento importantíssimo do caso que eu estava investigando.

Quando me sentei de novo para continuar a observação da cena, eles tinham se tornado um casal. Estavam num beijo que nem combinava com aquele lugar, nem com aquelas roupas, nem com o capuccino, nem com o cabelo de manga chupada e nem com a bolsa.

Que terrível primeiro encontro eu fui testemunha.

Por Luciane Krobel
23/08/2021 20h09