“Stealthing”: a remoção não-consensual do preservativo e a criminalização pelo direito penal

Sabe-se que é princípio básico para a ocorrência de relações sexuais que haja consentimento das partes envolvidas, sob pena de caracterização dos crimes de estupro ou estupro de vulnerável (artigos 213 e 217-A do Código Penal).

Da mesma forma, a prática de relação sexuais sem a utilização de preservativo somente pode ocorrer se ambas as partes estiverem de acordo, seja pelo risco de uma gravidez não planejada, seja pelo grave risco de contaminação por infecções sexualmente transmissíveis (IST).

Ocorre que, ainda hoje, é muito comum que um dos parceiros retire o preservativo durante a relação sexual sem que haja o consentimento da outra pessoa. Essa conduta pode ocorrer tanto em relações hetero quanto homoafetivas e atualmente é conhecida como stealthing.

Apesar de pouco discutido, o stealthing é uma prática criminosa e que merece amparo do Poder Judiciário.

Note-se que não é preciso necessariamente haver uma gravidez ou a transmissão de alguma IST, mas sim que a retirada do preservativo não tenha sido autorizada pela outra parte na relação sexual.

Há que se destacar ainda que a prática do stealthing não guarda relação apenas com a satisfação sexual daquele que faz a retirada do preservativo sem o conhecimento da sua parceira ou parceiro, mas sim, tem relação integral com a posição de poder e domínio sobre o corpo alheio.

Trata-se, portanto, de uma violação da liberdade e da vontade da vítima em ter relações sexuais mediante o uso do preservativo masculino, obrigando-a a participar em atos sexuais de maneira diversa da pretendida e de forma não consensual[1].

No Brasil não há uma previsão específica dentro do Código Penal, havendo discussões acerca do enquadramento como crime de estupro ou como crime de violação sexual mediante fraude. A diferenciação pode ser feita considerando as circunstâncias concretas, como por exemplo, o uso de violência ou grave ameaça.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal concedeu a uma mulher o direito de realização de um aborto humanitário[2] por entender que a gravidez foi decorrente de um estupro, haja vista que a relação sexual foi consentida mediante o uso do preservativo masculino. Ou seja, a partir do momento em que o homem fez a retirada do preservativo sem a autorização da parceira, a relação perdeu o consentimento, caracterizando o stealthing como crime de estupro.

Dentre os fundamentos da decisão consta que “no momento em que o agressor retirou o preservativo, ao que a vítima gritou para que este cessasse o ato sexual e teve seu rosto forçado contra a parede, com a ordem de que ficasse quieta[3]. Ainda, o Promotor de Justiça do caso ponderou que restou caracterizado o estupro “quando a vítima, ao perceber que o parceiro retirou o preservativo, determina que o ato seja interrompido e o agente, mediante força, prossegue no ato”[4].

Quanto à interpretação de qual crime o stealthing se enquadraria, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal entende ainda que pode se caracterizar como violação sexual mediante fraude quando “o autor desse crime leva a vítima a acreditar que está em um ato sexual seguro, mas de maneira escondida ou camuflada, retira o preservativo e passa a praticar ato em desconformidade com a vontade da vítima.[5]” Veja que nesse caso não tem necessidade de uso da força, violência ou ameaça.

A nível internacional, houve um caso na Suíça onde um homem também foi condenado pelo crime de estupro por fazer a retirada do preservativo sem a autorização da vítima, que tinha exigido o uso do mesmo como requisito essencial para realização da relação sexual.

Finalmente, importa mencionar que – para além dos riscos de gravidez e IST – a prática do stealthing pode causar sérios danos psicológicos, físicos e até mesmo financeiros à vítima, demonstrando assim a necessidade do amparo estatal.

Conforme dito, não há legislação específica no Brasil que criminalize a prática do stealthing, sendo aplicados por analogia os crimes de violação sexual mediante fraude ou de estupro. Ainda, mesmo a nível internacional, são baixíssimos os casos levados a julgamento pelo Poder Judiciário.

Assim, para dar efetividade à criminalização desta conduta, faz-se absolutamente necessário que hajam denúncias por parte das vítimas, a fim de criar uma mobilização que obrigue o Estado a proceder com uma regulamentação adequada, dando suporte às vítimas tanto na esfera jurídica, quanto junto aos sistemas de saúde.

 

[1] https://www.justificando.com/2018/11/06/voce-sabe-o-que-e-stealthing/

[1] Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico: (…)

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

[1] TJDF – autos nº 0760320-91.2019.8.07.0016, Relator: Leila Arlanch, Data de Julgamento: 28/10/2020, 7ª Turma Cível.

[1] TJDF – autos nº 0760320-91.2019.8.07.0016, Relator: Leila Arlanch, Data de Julgamento: 28/10/2020, 7ª Turma Cível.

[1] https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/stealthing

Por Bianca Ungaratti
08/06/2021 20h33