Solidão dançante.docx

Foto: Canva

Em lótus no tapete da sala, mato o tédio arrancando o rótulo da cerveja long neck suada enquanto espero algum papo voltar a acontecer. 

Desde que cheguei na casa de Luca, abandonei o celular carregando no escritório e me juntei ao resto da galera, na sala. As azeitonas e os pedaços de queijo servidos na mesinha de centro não chegaram a acabar pro timbre de Billy Idol ser o único ecoando no apê. 

Ao redor da mesa as telas iluminam os rostos dos meus amigos calados. Luca digita e aguarda e digita e aguarda e digita e aguarda, entretido em uma conversa sei lá com quem. Plínio tem o corpo mais largado no tapete e só desliza o indicador pelo celular num eterno consumo de nada. Eu já tirei o rótulo inteiro da garrafa e Fer nem notou pra reclamar dos farelos de cola e papel – se perdeu sugada numa thread do twitter.    

Levanto para buscar outra cerveja e pergunto quem mais quer. Ninguém vira a cabeça e Plínio dá duas estaladas de dedo no ar seguida de “eu”. Entrego a garrafa pra Plínio e ele só bate um brinde e volta pro celular.  

Procuro manchas no teto já cansada do silêncio de Billy. Antes de começar a descascar o novo rótulo, tento uma puxada de papo com Fer. Mas dura bem uns três goles de bera e logo já perco sua atenção pra uma nova notificação que ela atende de pronto. 

Fico tentando lembrar da última vez que estive assim, realmente sozinha. É quando Dancing with myself começa a sair da caixinha de som e minha cabeça, pescoço e ombros marcam o ritmo da batida. E sem perceber, me pego torcendo pro meu celular não carregar nunca mais.  

Por Raisa Gradowski
11/04/2024 15h15

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