“Retrato de um Certo Oriente”: estreia no Olhar de Cinema traz belos segredos de uma saga de imigrantes

Retrato de um Certo Oriente Cred Matizar Filmes, Divulgação (3)
Foto: Matizar Filmes/Divulgação

O Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba abriu sua programação nesta quarta-feira (12) com uma sensível estreia: “Retrato de Um Certo Oriente”. O filme dirigido por Marcelo Gomes adapta o livro “Relato de Um Certo Oriente”, de Milton Hatoum, ambos presentes no lançamento, acompanhando a saga de dois irmãos libaneses para o Brasil. O evento marcou a estreia nacional do filme (que tinha apenas sido exibido no Festival de Roterdã, na Holanda), para chegar ao circuito de cinemas no segundo semestre.

O longa-metragem em preto e branco se passa em 1949, mas traz temas tão atuais como imigração e preconceito que dialoga de forma intensa com o momento atual. Os irmãos católicos Emilie e Emir fogem do Líbano, sob ameaça de guerra, para o Brasil. O senso de urgência é comandado por Emir, em uma atuação expressiva de Zakaria Kaakour, levando uma tímida Emilie (Wafaa Céline Halawi) embora. No barco, ela se aproxima de Omar (Charbel Kamel), um comerciante muçulmano. Entre tensões, desembarcam em Manaus, na aldeia de Anastácia (Rosa Peixoto).

Adaptação

Saindo do “relato” para o “retrato”, Marcelo Gomes consegue transpor uma trama intimista do livro de Hatoum para um filme sensível. Cada cena, em especial nos barcos, mas por todo o filme, tem seu enquadro bem pensado, contrastando foco e desfoque, guiando o olhar. Assim, consegue manter um pouco dos vários pontos de vista do livro. Os segredos da descoberta do amor e da tomada de decisões de Emilie em direção a Omar são enquadrados esteticamente de forma sensível.

Outra questão da adaptação foi trocar as ações, em maioria acontecendo em uma casa, para as cenas em barcos. “Marcelo transforma a casa num navio, trabalhando os grandes temas da literatura: viagem, amor, morte e memória. Ele faz um épico. Marcelo faz um recorte muito inteligente do que mais tocou seu olhar, seu senso estético”, comentou Hatoum na coletiva de imprensa da estreia.

Nos detalhes de “Retrato de Um Certo Oriente”, Marcelo Gomes constrói as relações, muitas vezes sem palavras. Ainda que o filme esteja recheado de línguas. A pluralidade de vivências está presente nos relatos de imigrantes antes do embarque, nas relações que se fazem durante a viagem, nos olhares trocados entre Emilie e Omar, que ensina português a ela, nos indígenas que os recebem em Manaus. E o olhar deles sobre a Amazônia, filmada em preto e branco, com detalhes de insetos e sobreposições de imagens, destacando a mata à noite. “A gente queria esse ponto de vista do imigrante. Imagina sair do Líbano, o deserto árido, e chegar naquele mundo de águas, é assustador. A gente queria aquela Amazônia assustadora. E a cultura árabe também tem esse mistério, e o mistério vinha em preto e branco”.

Empatia

Entre a paixão de Omar e Emilie e o ciúme de Emir, questões que evocam memória, religiosidade e territorialidade se conectam. “Emir se apoia no preconceito para esconder algo, que é o ciúme da irmã”, explica Gomes. “Essa é a ideia que a gente queria trazer para o personagem e que acontece muito, no mundo inteiro. As pessoas se apropriam da questão da religiosidade, mas os interesses são outros”. A religião tem forte presença na narrativa. Uma das cenas mais marcantes tem Omar, muçulmano, se ajoelhando em uma esteira no meio do mato para rezar enquanto no fundo aparecem os indígenas Tukano fazendo um ritual, seguido pela Emilie rezando ao Deus católico. “Talvez no Brasil foi onde conseguiram essa paz entre religiões”, o diretor reflete.

Outros assuntos como imigração e conflitos que expulsam pessoas de territórios também permeiam o filme. “As questões que me afligem nesse tempo tinham que estar presentes”, conta Gomes. O diretor conta que até um figurante tinha passado por uma crise migratória, revelando a urgência atual de discutir esse assunto.

A construção de “Retrato de Um Certo Oriente” evoca esse potencial do Brasil como espaço para se colocar no lugar do outro, de convívio harmônico. As muitas línguas faladas destacam isso. “Ali estava a essência dessa alteridade”, o diretor completa.

Por Brunow Camman
13/06/2024 12h02

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