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Foi depois de transformar o oitavo copo em lixo. Entre taça, canecas de chope de diferentes graduações, com a marca de alguma cervejaria estampada de design bonito, copos de vidro normais do dia-a-dia, até o americano consegui estraçalhar. O único modelo que não teve perdas de conjunto, para o azar da estética das louças, foi o de requeijão – esses se multiplicam aqui no armário em uma velocidade bizarra, mesmo em épocas de tentativa de dieta. Quando chegou no oitavo copo, em menos de um mês, quebrado pelo esbarro da minha mão, que anda meio boba demais, resolvi googlar

Digitei na barra de busca do Google: “o que significa qu”, e abaixo das sugestões de continuação “quando a orelha esquerda esquenta” e “quando um gato se aproxima de você”, estava o “quebrar copo”.  Não me acho uma desastrada que sai trincando tudo que encosta. Não sou do tipo que precisa de copos especiais nos rolês (leia-se: de plástico), já que a chance de acidentes é certa. Então aquele quebra-quebra repentino nos últimos tempos, tinha que significar algo além da minha falta de atenção na manipulação de copos, ou da minha sobra de movimentos meio hiperativos. Meu velho problema de querer significar tudo.    

Os oito primeiros sites que apareceram diziam que era sorte. Se um copo quebrou na tua mão, saiba que aqueles cacos todos não significam nada mais nada menos que sorte. Uma puta maré de sorte tá se aproximando, pensei. Meus lábios começaram a se esticar, e antes de finalizar o sorriso, rodei a página do buscador do Google até o final e estava lá – um link com outro significado para o quebra-quebra de copos. 

Energia negativa. Muito copo e louça quebrando, é trânsito de energia negativa em excesso. Pode ser do lugar ou da pessoa-quebra-copos. Mas aquele emaranhado todo de bad vibes vai se debatendo entre copos, taças, louças, e o resultado não poderia ser outro senão os lascos, rachaduras e trincadas. Se não tivesse rolado a página de buscas do Google até o fim, teria passado o resto da vida feliz por cada copo quebrado, e com muita sorte. Mas mesmo que fosse um só site, e de procedência duvidosa, com energia não se brinca – melhor garantir.   

Liguei o YouTube na tevê: um mantra eterno de limpeza energética, volume alto para espalhar o som por todos os cômodos. Olho para o vasinho de sete ervas na varanda, terra já um pouco seca. Encho de água o copo roxo de plástico, de algum rolê eco friendly, e distribuo na terra – não é hora da proteção morrer de sede.  Abrindo a casa toda, acendi dois incensos em lugares estratégicos para que a fumaça dominasse o ambiente inteiro e corri para meu banho de sal grosso.

Casa energeticamente limpa. Corpo também. O dia passou leve e sorrindo, com a luz do sol, que veio para ajudar na faxina, batendo nos cristais e pedras.  Começo de noite, acendendo mais um incenso – não mais pensando na limpeza, mas pelo vício em incensos – quando puxo o isqueiro, em um susto, após provocar uma chama na ponta do incenso, bato minha mão no copo de mate. Ele se atira na mesa e crac. Pedaços de vidro nadando no mate me encaram com deboche. Que seja boa sorte. 

Por Raisa Gradowski
24/08/2021 19h21