Conversar com alguém sobre o Psicodália sem conhecer o evento é encarar um paradoxo. Em geral, pinta-se um cenário catastrófico: o interlocutor, com olhar apaixonado, alerta para os fatos de que chove muito numa fazenda extensa e cheia de lama, os banhos são difíceis e é preciso “ter a manha” para não acordar com a barraca alagada, mas a experiência não é nada menos do que extasiante. Você, sem entender, talvez questione a veracidade do elogio, devido ao panorama geral, e aí ouvirá as palavras “desapego” e “abdução” numa resposta elaborada.
Depois de passar 6 dias na Fazenda Evaristo, em Rio Negrinho (SC), local que sedia o evento, fica claro o sentimento geral, mas igualmente intraduzível. Sim, o desapego parece um caminho natural e pouco importam a chuva e a lama. Também é verdade que ninguém fica checando o horário e o tempo passa tão rápido que a sensação é de abdução. Mas não é só isso.
Desculpe, foi engano
Para começar, se você nunca acampou, ao chegar no Psicodália e montar uma barraca com lona debaixo do assoalho (mas sem deixá-la aparente, para não empoçar), o primeiro sentimento é de dever cumprido. Não é tão difícil, afinal. Sua preocupação parece ainda mais estúpida quando você olha ao redor e vê verdadeiras mansões construídas com pedaços de madeira e lona.
Depois, vestidas as galochas, começa o tour. Na 18ª edição do festival, que foi realizada entre 13 e 18 de fevereiro, era possível se deparar com 3 palcos cobertos, bares, praça de alimentação, teatro, cinema, mercearia, recreação e a ótima Rádio Kombi, que fez sua programação ecoar em diversos ambientes da fazenda, além de receber festinhas noturnas. Nada luxuoso, nada decadente. Ainda dava para ir ao lago, à recém-descoberta cachoeira, participar de oficinas ou percorrer 502 metros de tirolesa, o que lhe custaria 20 dálias, valor equivalente a 20 reais.
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Enganou-se também quem ouviu por aí que no Psicodália é difícil manter a higiene pessoal. Mesmo depois de horas de shows, os inúmeros banheiros distribuídos pela fazenda continuavam mais limpos do que muito banheiro de shopping. Para tomar uma ducha era preciso paciência, é verdade, mas teve gente cantando “Força Estranha”, do Caetano Veloso, no chuveiro às 9h da manhã e recebendo sorrisos calorosos das pelo menos 20 pessoas que se aglomeravam na fila à sua espera. Pressa pra quê?
É proibido proibir
Dois meninos andavam pelo camping às 2h da manhã, imitando corujas, quando ouviram o grito irônico vindo de uma barraca: “Olha a lei do silêncio, já passa das dez!”. Depois das longas risadas que se seguiram, a dupla perguntou, intrigada: “Já passa das dez mesmo?”.
Em terra de Psicodália não há lei. Na última edição, 6.160 pessoas conviveram pacificamente fumando, bebendo e gritando “Wagneeeeeeer” quando bem entendiam – reza a lenda, alimentada ano a ano, que o tal Wagner se embrenhou no mato e nunca mais foi encontrado. A história possui diversas versões, mas o fato é que o berro virou tradição. Há quem ouse estender o chamado por um minuto e receba aplausos de inúmeros desconhecidos.
À flor da pele
O misto de liberdade, natureza e arte aguça os sentidos. Não teve quem não se emocionasse quando Pedro Baby tocou “Mistério do Planeta”, dos Novos Baianos, no fim do show de sua mãe, Baby do Brasil. Na plateia, os olhos encheram-se de lágrimas outra vez quando viram Arnaldo Baptista cantar “Será que eu vou virar bolor?” acompanhado por milhares de vozes, enquanto sua arte frágil, quase infantil, era exibida no telão. Ian Anderson ganhou o público pela delicadeza de seus belos solos de flauta. Jards Macalé conduziu seus espectadores num passeio pela história da música brasileira. A doce estranheza do curitibano Conde Baltazar, vocalista da banda Trombone de Frutas, conquistou largos sorrisos. Entre um show e outro, adultos faziam ioga na grama e crianças pulavam nas poças de lama, dando um espetáculo à parte.
Tudo é relativo
A maior polêmica da edição teve a ver com dinheiro. Os preços, conforme reclamava parte do público nas redes sociais, estavam salgados. O passaporte, no último lote, custava R$ 420, enquanto em 2009 o valor não chegava a R$ 150. Também subiram os preços das comidas e bebidas.
Ao mesmo tempo, é justo afirmar que há 5 anos o festival não bancava tantas apresentações de peso e a estrutura deixava a desejar. Além disso, um breve comparativo com outros festivais favorece a imagem do Psicodália. Por exemplo: em março, para desfrutar de 2 dias de Lollapalooza Brasil, será preciso desembolsar R$ 660 (R$ 330 a meia-entrada).
No fim das contas, o que incomoda a muitos é perceber que, apesar da aura hippie, o evento é um negócio – e um negócio que cresce admiravelmente independente. A cada ano, sobe o custo, mas também a qualidade. Tudo nos conformes: tinindo, trincando.
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