Na Toca do Coelho

Foto: Pedro Jucá

Um dia, quando eu ainda era professor de inglês, minha chefe virou para mim, no meio de um corredor, e me disse: Pedro, você parece estar sempre correndo para chegar em algum lugar. Descontado o humor involuntário da cena, aquilo era uma bronca, e uma bronca com razão de ser. Era verdade que eu saltava esbaforido de uma sala para a outra e, mal terminava o expediente, ia embora na mais desabalada carreira. Queria voltar para casa logo porque precisava ser aprovado num concurso o quanto antes, e cada minuto contava. Não havia tempo a perder.

Em 2015, fui nomeado Oficial de Justiça. Eu me levantava às cinco da manhã e passava os dias a zanzar de um lado para o outro, à procura de pessoas que não faziam a menor questão de ser encontradas. Descobri que odiava o trabalho, mas, como não tinha mais cabeça para estudar Direito, enveredei pela Psicanálise. Entrei para um curso de formação, assisti a aulas, comprei a coleção completa do Freud. O que li li em ordem cronológica. Quando estava exausto a ponto de não conseguir decifrar uma linha a mais sequer, abria um vídeo do Dunker e tirava proveito daqueles cinco, seis minutinhos que, deus me livrasse, jamais poderiam restar ociosos.

Em 2018, por fim, assumi o cargo com que sempre sonhei. Depois de um ano deliciosamente caótico em Paranaguá, me mudei para Curitiba. Já estava acostumado com a rotina, entrei no ritmo do trabalho e, pela primeira vez na vida, não precisava mais correr para chegar – que desespero. O jeito foi retomar a formação em Psicanálise, ir à academia todos os dias, começar a estudar o idioma mais difícil já inventado pelo ocidente, pegar três gatos para criar, voltar a ler com regularidade, sobreviver a uma pandemia, entrar numa Pós, terminar um livro de contos e começar e terminar um romance. Ufa. Assim, sim. Cada minuto contava e não havia tempo a perder.

Pode até parecer, mas não, não enviei por engano um curriculum vitae no lugar da crônica da semana. Acho que, a essa altura, meu ponto ficou claro. 

Como o coelho branco com um relógio gigante nas mãos, eu também passei minha vida inteira a gritar “Tenho pressa! Tenho pressa!”. Minhas horas são todas cronometradas (mesmo meus intervalos para descanso ganham alarmes no celular), meus atrasos são punidos com choros (metafóricos) e ranger de dentes (literal – meu bruxismo piora muito quando estou ansioso) e minhas reclamações em loop eterno são de dar inveja a qualquer DJ de rave.  Mas, se preciso ser honesto com vocês (e comigo), não apenas nunca tive a intenção de mudar, como também, no fundo, esse constante frenesi me preenche e, de alguma maneira muito perversa, me apazigua. O próximo passo, portanto, é questionar: por que é que sou assim?

As hipóteses são muitas.

Resposta 1: tudo culpa de papai e/ou mamãe, que sempre me obrigavam a dormir às 22h em ponto. Contra-argumento: papai e/ou mamãe levando gritos do pequeno déspota que fui para que terminassem logo o almoço e ninguém chegasse atrasado na escola.

Resposta 2: tudo culpa do capitalismo tardio, que me obriga a ser uma máquina produtiva de ganhar e sobretudo de torrar dinheiro. Contra-argumento: terminei servidor público, não empresário (e, se é tardio, decerto não pode nem entrar na equação).

Resposta 3: tudo culpa do meu sol em virgem, que me fez um tarado por ordem (e por listas). Contra-argumento: meu ascendente em câncer.

Resposta 4: tudo culpa do meu complexo de inferioridade, que me faz querer, em compensação, ser o melhor em tudo. Contra-argumento: minha megalomania.

Resposta 5: tudo culpa do marxismo cultural, que se infiltrou nas novelas da Globo, me converteu em gay e, para ser aceito em sociedade, me fez querer ser o mais inteligente, o mais bonito e o mais gostoso possível. Contra-argumento: preferia as novelas da Record. E nem por isso virei um mutante (que pena).

Resposta 6: tudo culpa do Lacan, que inventou que a gente vive a correr atrás da inalcançável imagem no outro lado do espelho. Contra-argumento: Lacan, que pode ter dito o exato contrário e tanto faria, ninguém entenderia nada de qualquer forma.

Piadinhas infames à parte, o fato é que, independentemente da causa, esse estado de pressa inclemente é um dado meu, um alicerce sem o qual implodo. Nada mais angustiante que um bocado de tempo livre nas mãos. Por outro lado, se me sobrecarrego demais, passo a viver literalmente sem ar (mas isso é assunto para uma próxima crônica). Por ora, permaneço às voltas: há solução de compromisso entre esses dois extremos? É possível andar com pressa sem perder a compostura? Dentro da toca, o coelho branco consegue largar o relógio e afinal descansar? Encerro o texto desapercebido de conclusões. Enquanto, com muita paciência, espero pelo gabarito final do teste, vou escrevendo para preencher o tempo vazio, porque sei que respostas assim não vêm fácil. Nem rápido.

Por Pedro Jucá
01/11/2022 14h36

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