E adulto existe?

Foto: Samuel Morgan/ Unplash

Peço marmita quase todo dia. Acordo, coloco ração para os gatos, tomo café (sem café, que cafeína piora a ansiedade), espero a alma voltar para o corpo, começo a trabalhar e, lá pelas onze e pouco da manhã, confirmo o pedido pelo aplicativo. Passado algum tempo, o entregador me interfona, eu desço, pego as marmitas e subo de volta.

Segunda passada, a rotina mudou um pouco. Depois de me entregar as três marmitas, o motoboy me solta um “bom almoço pra vocês”. Vocês. Assim mesmo, vocês, no plural. Bom almoço pra vocês, como se não fosse ser eu o único humano a me alimentar daquela comida pelos próximos três dias. Bom almoço pra vocês, como se o pedido se destinasse a uma linda e tradicional família, daquelas muito unidas e também muito ouriçadas, pais, filhos, pets e plantas, refeições à mesa, castigos por notas vermelhas e missas aos domingos. Eu sei que o entregador só estava sendo atencioso, mas seu comentário foi o suficiente para me fazer questionar o quanto, de fato, eu sou adulto.

Vejam só, não sofro de complexo de Peter Pan, nem estou tentando me desresponsabilizar pelas faltas e falhas de minha vida pós-adolescência (são muitas). Também não acho que só seja adulto quem tem família grande ou nos moldes ditos tradicionais. Eu sei, em termos objetivos, que sou um adulto. Tenho 33 anos, arco com responsabilidades enormes no trabalho, banco a mim e a três gatos, já tive que correr de vaca e cachorro quando era Oficial de Justiça, já tive que ajudar minha mãe a reaprender a andar depois um AVC. Sou um adulto, sobrevivi a sofrimentos que só gente grande é capaz de suportar – e, ainda assim, não sei se, a rigor, eu me sinto um adulto, ao menos não como aqueles que foram (ou eu pensei que fossem) adultos para a criança que eu fui.

O questionamento me vem por comparação. Com a minha idade, meus pais e meus avós já tinham filhos, faziam compras do mês com frutas, verduras e carnes que seriam todas preparadas em casa e, pasmem, arrumavam a cama todos os dias. Quando criança, eu olhava para eles e imaginava que todos tinham a vida resolvidíssima, que todos sabiam exatamente o que estavam fazendo, quais decisões tomar, quais caminhos seguir. E esse não é, em absoluto, o meu caso. Tenho 33 anos e, mais grave do que não querer ter filhos, passar três dias requentando a mesma comida no micro-ondas ou, pasmem, não arrumar a cama nunca, eu vivo sob a constante impressão de não fazer a menor ideia do que estou fazendo, de tomar decisões com duvidoso percentual de acerto e de cambalear por trilhas escuras que nunca sei onde vão dar. Será que tudo isso me faz menos adulto que os adultos das gerações passadas?

Se eu tiver que ser duro, respondo que sim, que não passo de um millennial mimado e cheio de privilégios, piá de prédio, como diriam os curitibanos, criado a leite com pera e incapaz de realizar uma infinidade de tarefas cotidianas que, em outros tempos, eram consideradas banais.

Mas acho que, por hoje, em homenagem ao recente Dia das Crianças, serei mais condescendente comigo mesmo.

É quase certo que nossos pais e avós também navegassem às cegas aos 33 anos. Aos 35, aos 40, aos 50. É quase certo que ainda hoje o façam. Se toda certeza sem espaço para a dúvida não passa, em última instância, de fantasia, o que talvez a gente precise fazer é reconhecer que essa imagem de um ser humano completamente formado, certo de si e do mundo, não passa de uma miragem, de um horizonte que, no final das contas, pessoa alguma alcança. De toda forma, não deixa de ser curioso perceber que, nem mesmo aqui, sob essas lentes mais benevolentes, eu sou um adulto – mas só porque, no fundo, no fundo, ninguém o é.

Por Pedro Jucá
18/10/2022 15h58

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