O Que Eu Temia Chegou

Foto: Bruno Figueiredo/Unsplash

Começar pelo começo nunca é fácil. E é por isso que a primeira decisão em torno de uma coluna é também a mais difícil: dar a ela um nome. Antes de outras angústias se anunciarem – será que vou arranjar assunto toda semana? Será que vou acertar o tom do texto? Será que vou conseguir escrever sem usar tantos travessões? –, é essa a grande questão que, unhas roídas, sobrancelhas desfalcadas, um colunista (que chique, meu deus) precisa ser capaz de enfrentar. 

Primeiro, portanto, as coisas primeiras: o nome desta coluna será O Que Eu Temia Chegou. Sim, provavelmente longo demais e sonoro de menos, mas, me defendo logo, não tão cínico quanto possa parecer. É que, em sua versão original, a frase vem com um plot twist: o que Belchior temia bem que chegou, mas, contrariando todas as expectativas, não trouxe nem calamidades, nem agouros. Muito ao contrário, por sinal: agora ele estava em paz. O que ele temia havia chegado e, ainda assim, ou tanto mais por isso, agora ele estava em paz.

Pelo visto, além de gênio, Belchior era também um ansioso. Só um ansioso poderia escrever algo assim, só a um ansioso essa frase não soaria como um contrassenso. Eu sei porque ser cearense não é nossa única característica em comum – e infelizmente não estou falando da parte da genialidade. O que acontece é que, unhas roídas, sobrancelhas desfalcadas, eu também sou um ansioso.

E o que martiriza qualquer ansioso é, no fundo, o tempo. Antecipar tragédias, desenhar conversas inteirinhas em fluxogramas imaginários, gestar mágoas por semanas ou meses. Há sempre um descompasso, um desajustamento cronológico entre a realidade das coisas e a expectação das coisas. Estar no tempo presente é um desafio constante, abrir mão de buscar controlar o futuro ou desentortar o passado é tarefa quase impossível. 

É nesse ponto, então, que chegamos ao título da coluna. Se a antecipação é a tortura de qualquer coraçãozinho ansioso, a atualização é o melhor (ou talvez o único) remédio. Parar, respirar, observar, escrever, tudo numa intenção de (res)sincronia entre mim e o mundo. Os textos que serão publicados aqui são crônicas apenas nesta medida: a de uma precária tentativa de acerto de contas com o tempo. Ou melhor: de um acerto de contas com o meu tempo. Não pretendo aqui escrever tratados filosóficos e, verdade seja dita, só consigo escrever sobre mim (fica o alerta).

Parar, respirar, observar, escrever. Parar, respirar, observar, escrever. Depois é torcer para entregar algo minimamente decente. E, claro, rezar para que os herdeiros dos direitos autorais do Belchior não me processem. De resto, peito aberto: que o que eu temo chegue logo de uma vez.

Por Pedro Jucá
11/10/2022 15h47