Musicletada apresenta Orquestra Friorenta e fortalece o RAP local em sexta edição

Há exatamente quatro meses, Curitiba vivenciava o que ficou conhecido como a “batalha do Centro Cívico”. Dos resquícios ainda presentes em todo o entorno da Praça Nossa Senhora de Salete, o último final de semana possibilitou novas perspectivas de toda a região e se tornou um marco no aspecto cultural da cidade. A batalha que teve destaque desta vez, entretanto, foi outra. Do Circuito CWB de Rimas, a batalha de MCs e o show de estreia da Orquestra Friorenta marcaram a sexta edição do Festival Musicletada, em que durante dois dias se reuniram diversas bandas da atual geração de músicos da cidade e ainda incentivou ações de mobilidade urbana e sustentabilidade. Diferentemente da última edição com a programação musical mais enxuta, em 2015 o Festival desbravou novas possibilidades e se fortalece como expoente do cenário autoral de Curitiba.

O sábado amanheceu cinza para o primeiro dia do Musicletada, mas a incerteza de um clima tipicamente curitibano não impediu que mais de 8 mil pessoas ocupassem o gramada da Praça durante todo o final de semana do Festival. Com atrações especiais para crianças, aulas de yoga, espaço de convivência e venda de produtos locais orgânicos, todas as atividades e apresentações foram gratuitas. Assim como acontece desde a primeira edição do Musicletada.

Abrindo a sonoridade no palco do Festival, o músico Madayati cantou algumas composições do disco homônimo lançado em 2014, pela Gramofone. Acompanhado do violonista Roger Vaz, Madayati apresentou a contemplatividade de “músicas que honram o divino”, como ele mesmo define.

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Liderada pelo baixista gaúcho Giovani Caruso e a cantora e compositora Maria Paraguaya, a banda Escambau levou o bom e velho rock and roll, do muito bem criticado disco “Novo Tentamento”. Mas o lançamento surpresa da faixa “Fogo” do próximo trabalho da banda foi o destaque principal do show, que ainda teve homenagem ao artista Alessandro Rüppel Silveira, o eterno Magoo, que morreu atropelado por um caminhão enquanto descia uma via no bairro Ahú de bicicleta.

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Produzido por Gustavo Lenza e Zé Nigro — responsáveis por álbuns de artistas como Céu, Apanhador Só e Curumin, a Banda Gentileza apresentou as músicas do novo disco “Nem Vamos Tocar Nesse Assunto”. A noite começava a ganhar forma quando os músicos subiram ao palco e apresentaram pela primeira vez em show aberto as canções que permeiam o rock experimental, spoken-word, punk cigano e noise, fazendo todo o público vibrar.

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Os piratas da banda Confraria da Costa encerraram a noite do primeiro dia do Musicletada em clima de expectativa para o lançamento do novo trabalho, intitulado “Motim“, com estreia marcada para o dia 06 de novembro, no Jokers. A banda apresentou as músicas dos dois discos lançados, o primeiro em 2010, “Confraria da Costa”, e “Canções de Assassinato”, de 2012.

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Da música eletrônica, os DJs, Celestino Dimas, Adri Menegale e Didones se revezaram durante os dois dias de festival tocando diversas referências nos intervalos de cada banda.

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Entre sol e diversas nuvens, o último dia de Musicletada foi aberto pela banda Siricutico, animando toda a criançada que por lá estava. Com influências que passam pelo jazz, rock, reggae, soul e samba, o grupo apresentou as músicas do disco lançado em 2014.

Trazendo músicas do seu primeiro disco autoral intitulado “Tambaki”, em processo de captação coletiva, o músico Fernando Lobo apresentou as sonoridades da música caiçara, raízes da cultura afro, rock e regionalismos.

A performática Charme Chulo apresentou energicamente o seu rock-caipira-indie com as músicas do álbum “Crucificados pelo Sistema Bruto”, Em seguida, encerrando o destival, com direito a superlua e uma chuva torrencial, o músico e produtor Rodrigo Lemos apresentou as faixas do recém-lançado “Pangea I Palace II”. Embora, ainda seja mais conhecido pelos seus trabalhos ao lado da Banda Mais Bonita da Cidade, Naked Girls & Aeroplanes, sendo ex-vocalista da extinta Poléxia, Lemos cumpriu o papel do que todos esperam do encerramento em um festival de música: trouxe qualidade sonora.

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Destaques

A totalidade do Festival é sem dúvidas um avanço nítido em cada ano. Porém, a sexta edição do Musicletada compreendeu o atual cenário musical pelo qual Curitiba tem passado. Evidenciar o RAP a partir da batalha de MCs foi valoroso não apenas para todos os rappers e artistas envolvidos no Circuito Autoral de Rimas. já que 5 mil pessoas acompanharam a batalha durante todo o primeiro dia do evento.

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Muitos que estavam lá assistiam a uma apresentação de RAP pela primeira vez. “A gente está acostumado a se apresentar para um público muito menor do que esse. Muita gente que subiu no palco aqui hoje, às vezes só tem a grana da passagem. O Musicletada está sendo importante para todos nós”, afirmava o MC e produtor Owagabundo Nato, responsável por ser o mestre de cerimônia da batalha.

Embora todos estivessem contagiados pelo calor da aglomeração, a Orquestra Friorenta esquentou ainda mais a tenda do palco da Musicletada com a estreia do projeto musical formado pelos músicos Janine Mathias, Bernardo Bravo, Janaína Felline, Dú Gomide, Naíra Debértolis, Denis Mariano, Amanda Pacífico e Lucas Ajuz.

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Em clima de mistério enquanto os músicos se posicionavam no palco, do figurino a maquiagem remetendo às comunidades africanas e indígenas, com adereços carnavalescos, e puro entusiasmo, a Orquestra Friorenta começou a ganhar forma no final do primeiro semestre deste ano. O músico, compositor e produtor Bernardo Bravo, no palco, evidenciou a maturidade de todos os artistas envolvidos ao criar nova roupagem a partir de influências percurssivas da milonga ao carimbó para músicas como “Baby Doll de Nylon”, de Robertinho de Recife, e “Vai Desabar Água”, de Gero Camilo.

Em entrevista ao Curitiba Cult, o MC e produtor Owagabundo Nato e o compositor e produtor Bernardo Bravo contaram com foi a participação deles nesta edição do Musicletada.

Entrevista 

Curitiba Cult: Durante a batalha, muita gente vibrou com as rimas, tanto pela qualidade quanto a surpresa de muitos que assistiam pela primeira vez. Como você avalia a participação do Circuito CWB no Festival?

Owagabundo Nato: Esse barulho involuntário gerado pelo publico nada mais era que o resultado de um trabalho bem feito por algum dos rappers. Creio eu que no momento da grande final havia em torno de 850 pessoas de diferentes estilos, apertadas nas tendas e participando ensandecidamente dos duelos. Geralmente as batalhas de rimas reúnem entre 100 a 300 pessoas. Portanto, o Circuito CWB de Rimas no Musicletada 2015 foi, sob o meu ponto de vista, um evento a ser relembrado na historia do hip-hop curitibano, tanto pela quantidade como pela participação do público multicultural.

Curitiba Cult: Como surgiu a ideia de reunir todos estes músicos até se consolidar em Orquestra Friorenta?

Bernardo Bravo: A Orquestra Friorenta surgiu da ideia de reunir artistas que são amigos, mas que nem sempre tinham a oportunidade de trabalhar juntos. Minha provocação foi sugerir nossos encontros em cima de um som que unisse referências do sul com o norte do Brasil, sem passar tanto pelo samba. A ideia é ver o que a milonga tem a ver com carimbó.

Curitiba Cult: Em um evento consolidado como o Musicletada, como você mesura esta participação para o movimento, já que está inserido no cenário do hip-hop há anos em Curitiba?

Owagabundo Nato: Na minha opinião, ter feito a batalha foi uma conquista para o hip-hop como um todo. Pois tivemos MCs batalhando em um evento multicultural, com uma estrutura impecável, público e as devidas liberações. O hip-hop é uma maneira de se expressar expondo fatos dos seus cotidianos. Algumas vezes mais harmoniosos e estudados, outras vezes com socos verbais diretos a temas polêmicos.

Curitiba Cult: Como foi a junção de todos estes músicos que possuem diferentes estilos?

Bernardo Bravo: Eu queria reunir alguns amigos talentosos. Já tenho tocado com Dú [Gomide] e o Denis [Mariano] em vários outros projetos. Mas ainda não tinha misturado eles com a Amanda Pacífico e com a Janine Mathias que são duas grandes vozes da nossa cidade. O Dú já trabalhava com a Naíra [Debértolis}, que também não trabalhava com nenhum de nós. A Jana [Janaína Felline] também já veio desde o início comprando a ideia e super na vontade de comungar dessa mistura. Aí era só juntar e tocar.

Curitiba Cult: O hip-hop, num todo, ainda sofre diversos preconceitos justamente por ideias estereotipadas. Como foi apresentar a batalha para muitos que estavam no Festival e ouviam RAP ao vivo pela primeira vez?

Owagabundo Nato: Quando terminamos o bloco de apresentações, encerrei com a frase, se você não gosta de rap, ou não conhece, vem escutar a batalha de MCs que hoje vou mudar seu conceito. Digo isso sempre que tenho a oportunidade de trabalhar com novos ouvintes ou pessoas não habituadas a ouvir hip-hop. Uma batalha de rimas tem por premissa usar somente improvisos. Isso exige muito talento e coragem dos inscritos. Isso, que torna tão interessante a competição, é tudo feito na hora , é legítimo, é Freestyle. No Musicletada tivemos um nível alto de qualidade dos MCs, que em momento algum apelaram para palavrões, homofobia, racismo ou qualquer outra coisa que possa denegrir o ser humano.

Hip-hop é cultura é preciso talento e inteligência para estar ali. Fui surpreendido por uma professora de um colégio público aqui da capital que aplica batalha de rimas como conteúdo em suas aulas de arte. Achei a coisa mais incrível dos últimos tempos! Ela é o exemplo prático de que, se os recursos públicos fossem aplicados para questões atrativas e palpáveis aos jovens de baixa renda, poderíamos formar músicos, pensadores e artistas. Tenho certeza de que o maior prêmio que esses meninos recebem é pegar quatro ônibus em um sábado chuvoso à tarde e ver que mesmo passando uma situação ruim na vida pessoal seu talento foi reconhecido e aplaudido mesmo que por alguns minutos. É esse reconhecimento que motiva esses jovens, seja no hip-hop ou acordando de madrugada para ir treinar futebol, ir para a escola para acreditar nos seus sonhos.

Curitiba Cult: Qual foi o motivo da escolha do repertório em relação à proposta da Orquestra Friorenta?

Bernardo Bravo: O repertório foi escolhido pelo tesão de tocar a música em si. É um repertório que tenderá cada vez mais para o autoral, são todos compositores na banda. Mas também resolvemos tocar algumas coisas que queríamos ouvir soar com nossos arranjos. Músicas do norte, do sul do Brasil. E nossas.

(Fotos: Daniela Carvalho)

Por Lucas Cabana
01/10/2015 13h10