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foto: Canva

Trouxemos um gnomo pra morar conosco. Era sábado. No trajeto do restaurante até o carro fomos atropeladas por uma mistura de aromas, que até eu de olfato meio zoado senti. Capturadas pelo nariz, o cheiro nos guiou ao fim da rua direto pra uma lojinha mística fumaceada de incenso.

O sino agudo de quando atravessamos a porta fez a vendedora lá atrás do balcão no fundo da loja nos dar um tchauzinho emendado num qualquer coisa me chamem, meninas.

Na casa antiga de madeira pintada de azul calcinha: estantes cobertas de incensos de diversos tamanhos e essências, velas brancas e coloridas, cristais e ágatas e quartzos, vassourinhas penduradas nos tetos e também pelas paredes, mini cascatas daquelas que relaxam a alma, tarots, livros, pêndulos, bruxinhas, elfos, e muitos, muitos gnomos.

Foi entrar na loja (emocionadas que somos) e já nos convencemos a levar um pra casa. Vagava meio em transe pela misticidade esfumaçada até que o vi numa prateleira sentado com pernas em lótus, ali isolado em seu mundinho.

Diferente dos outros gnomos pastéis, esse vestia um carnaval de cores elétricas. A etiqueta amarrada no colete azul turquesa de pelúcia contava: Dulviv – gnomo de perna longa. Sorria bem boba pro chapéu comprido e rosa pink quando, ao descer o olhar pra altura de seu rosto rechonchudo coberto de cabelos e barbas cinzas finíssimas – eu juro – um de seus olhos azuis de bola de gude piscou pra mim.

Minha mão prestes a pegá-lo, recuou e ficou suspensa no ar. Encarei mais um tanto (provavelmente de boca escancarada), mas o boneco permaneceu imóvel. Ou foi exagero na cerveja do almoço ou aqueles incensos estavam me chapando.

 Quando S. perguntou qual iríamos levar eu falei Lin, acho que aquele coloridão me deu uma piscada. Ela entendeu como figura de linguagem e fiquei bem quieta pra não sair de crazy. Como S. não tinha recebido nenhum sinal mágico, trouxemos Dulviv pra casa.

Em busca de outra interação, um sorriso, um aceno, qualquer derretimento no seu rosto encerado, tentei agradar Dulviv de todos os jeitos. Ele foi recebido ao som de Ventania e de pronto meti um monte de pedras no seu novo spot.

Em vários minutos cortados do dia eu parava em sua frente e ficava encarando. Depois passeava com ele pela casa. Deixava no sol. No meio das plantas. Entre os cristais. Acendia incensos. Até Eu vi gnomos, eu vi duendes pra tocar eu tentei. E nem uma derretidinha na cera do rosto.

E foi só depois que notei seus poderes mágicos.  Durante as encaradas e tentativas de agrado, suas falas saíam através da minha voz engrossada num diálogo que eu respondia voltando com meus timbres. Junto com as cachorras e plantas, Dulviv se tornou mais um ser da casa que existe pela minha voz.

Por Rai Gradowski
08/08/2024 11h26

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