Crítica: “Reformatório Nickel” merecia mais atenção do Oscar 2025

Nickel Boys. Foto: Divulgação/Amazon.
Foto: Divulgação/Amazon

O mais íntimo olhar de dois garotos sobre os horrores da segregação racial comandam a poderosa narrativa de “Reformatório Nickel”. O longa-metragem de RaMell Ross acompanha a história de Elwood e Turner em um reformatório norte-americano. O contexto dos anos 1960, passando por crescentes mudanças raciais e sociais nos Estados Unidos, influencia a vivência dos dois. Na contramão de figuras como Martin Luther King Jr., o reformatório mantém um regime de violência com crianças e jovens negros. O filme não chegou aos cinemas, uma das várias injustiças. Está disponível desde 27 de fevereiro na Amazon Prime.

Indicações

“Reformatório Nickel” surgiu tímido na premiação. Está indicado ao Oscar 2025 nas categorias Melhor Filme e Melhor Roteiro Adaptado. Ele é inspirado no livro de mesmo nome (em inglês, “Nickel Boys”) de Colson Whitehead. Também é autor de “The Underground Railroad: Os Caminhos Para a Liberdade”, com o qual foi vencedor do Pulitzer de ficção. O autor volta a se inspirar em casos reais para criar sua narrativa.

Mas o longa merecia mais do que a indicação a Roteiro Adaptado ou mesmo a Melhor Filme. Uma parte técnica interessante e visualmente impactante poderia receber indicações dos prêmios mais técnicos como Melhor Cinematografia, bem como de Melhor Montagem.

Inovação

O aspecto visual de “Reformatório Nickel” chama atenção logo no começo. A câmera está sempre emulando a visão de um personagem. Quem nos leva ao reformatório, primeiramente, é Elwood (Ethan Herisse). Lá, começa a trocar o protagonismo com Turner (Brandon Wilson). As duas visões começam a se intercalar entre si e também com pequenos toques de visões mais avançadas, de fases adultas de um personagem. Quem não assistir com atenção, pode se perder. Mas quem se propõe a mergulhar na história, aproveita esse estilo narrativo.

O formato de ponto de vista tem mais fracassos do que sucessos no cinema, mas aqui o caso é de excelência. Entramos com tudo naquela experiência, nos aproximamos ao máximo ao que acontece com Turner e Elwood. Assim, cenas que poderiam cair facilmente na violência extrema, acabam se tornando sentimentos mais complexos de angústia, medo e terror. A experiência é mais sensorial do que documental. Quando a câmera se afasta, é quando sentimos que nem mesmo o personagem consegue ser ele mesmo sem pensar no que passou naquele lugar.

Narrativa

Elwood é enviado de forma injusta ao reformatório, porém não sabemos se é o caso de Turner ou não. Mas não importa, e essa é a relevância de não sabermos: independe do que cometeram, os jovens ali não merecem as torturas pelas quais passam. A dupla protagonista e até garotos mais jovens são explorados em situações semelhantes à escravidão. E o trato dos adultos racistas ali reflete o sentimento de um grupo conservador que não deseja as mudanças sociais que Elwood tanto anseia.

Elwood representa uma positividade, uma esperança em discursos como o de Martin Luther King Jr. Enquanto isso, Turner é o pessimista que faz o que pode para sobreviver ao Nickel. A fluidez entre os dois vai, então, guiando a narrativa e tratando assuntos profundos de forma natural e intimista.

A história dos dois não é real, mas o Reformatório Nickel é inspirado em fatos reais. Um reformatório igual a esse funcionou nos Estados Unidos até os anos 2010, sendo recentemente descoberto por torturas e assassinatos de mais de 100 jovens. Isso entra na trama pelas mãos do diretor, conhecido por dirigir documentários, que consegue tratar isso sem demagogia. Cenas mais imaginativas e inserções de fotos e filmes de arquivo são muito bem colocadas. “Reformatório Nickel” é uma jornada emocional e melancólica que lembra que as questões raciais do passado ainda ecoam nas relações atuais e precisam ser curadas.

Por Brunow Camman
01/03/2025 13h59

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