Crítica: “O Quarto Ao Lado” traz sensibilidade e renovação ao repertório de Almodóvar

O Quarto Ao Lado. Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação

A iminência da morte não é fácil de ser entendida ou vivida por ninguém, mas Ingrid (Julianne Moore) tem uma aversão especial ao tratar do tema. Tanto que é no lançamento de seu livro sobre sua incompreensão do fim da vida que descobre que uma antiga amiga está doente. Ao visitar Martha (Tilda Swinton), que enfrenta um câncer provavelmente incurável, se vê enfrentando seus medos e tem que tomar uma decisão que vai de encontro aos seus medos. O drama percorre cada momento dessa premissa de “O Quarto ao Lado”, primeiro filme todo falado em inglês do diretor e roteirista Pedro Almodóvar, que estreia no dia 24 de outubro no Brasil.

O começo do filme parece dar um choque a quem já conhece a estética de Almodóvar. Tons sóbrios e cores pálidas acompanham uma Nova York pouco interessante. É com a reaproximação das jornalistas Martha e Ingrid que as típicas cores do diretor espanhol vão dominando a cena. O clássico melodrama também aparece, como um resgate à sua juventude, para cenas do passado de Martha, mas logo assume um tom mais dramático. “O Quarto Ao Lado” vai aos poucos se aproximando mais de “Dor e Glória” (2019) do que de “Volver” (2006).

A relação das personagens principais, afastadas e se reconectando, é feita de forma sublime com duas grandes atuações. Primeiro, Martha ainda tem esperanças de cura, mas quando começa a aceitar a possibilidade (e a certeza) da morte, é quando uma Ingrid assustada se aproxima mais.

Flores de Almodóvar

Por todo o filme, há flores. Um símbolo simples de vida curta. Primeiro, no hospital, como arranjos – flores cortadas, destinadas à morte. Depois, nas paredes e na decoração da casa de Martha, coloridas, mas irreais. Quando as amigas decidem passar um mês juntas, antes que a morte alcance a jornalista, as flores se espalham pela terra, crescem e vivem, como a amizade recém reconstruída.

A casa em si é quase um personagem. A porta vermelha, a vista para a floresta, as poltronas reclináveis na piscina, a porta emperrada da geladeira, tudo parece prestes a mostrar uma contemplação de vida. O filme é cercado por referências culturais, do quadro de Edward Hopper à lista de livros que as duas procuram na livraria local. Martha cita “Os Mortos” de James Joyce mais de uma vez, prenúncio de um fim de ciclo, inevitável, mas significativo.

O fim das conexões

O elenco ainda traz John Turturro, que traz mais um contraponto, especialmente para Ingrid. Seu personagem discute de forma quase apocalíptica a crise ambiental. Enquanto os dois caminham entre árvores, dialogam sobre o fim do planeta como um fim das relações, das conexões humanas.

Por toda a narrativa, Almodóvar coloca o que parecem pistas de que o melodrama está à espreita, de que logo uma grande reviravolta absurda pode acontecer. Mas o que é inevitável mesmo em “O Quarto Ao Lado” é a morte, com ou sem dramalhões. O diretor constrói um filme sensível, lento, contemplativo, que ao mesmo tempo em que respeita seu estilo e trajetória, segue um novo e interessante caminho. É no olhar minucioso das pequenezas (nos closes, nos ângulos da câmera, nas reentrâncias da casa) que ele urge por mais conexões.

Por Brunow Camman
23/10/2024 11h00

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