Crítica: “Coringa: Delírio a Dois” traz novas cores ao mesmo tema do anterior

Coringa Folia a Dois. Foto: Divulgação.
Foto: Divulgação

A música é um catalisador de sentimentos em “Coringa: Delírio a Dois”, que estreia nos cinemas nessa quinta-feira (03/10). As vozes de Joaquin Phoenix no papel-título e de Lady Gaga como “Lee” Quinzel, a Harley Quinn (ou Arlequina) se encontram na loucura e em emoções que parecem ser positivas, mas em pouco tempo se mostram poderosamente destrutivas. O filme, que não é exatamente um musical, ainda que se cante em cena, aproveita bem o clima do primeiro e renova escolhas estéticas, mas ainda se prende em temas já explorados anteriormente.

Canções

“Delírio a Dois” começa pouco depois do ponto em que “Coringa” termina. Arthur Fleck, preso por matar cinco pessoas (o assassinato da mãe não foi contabilizado pela polícia), fica conhecido como Coringa. Vira símbolo de uma revolta popular contra o status quo, enquanto na verdade só queria alimentar seu ego narcísico e se revoltar contra o que achava ser uma injustiça contra si. Na cadeia, esperando julgamento, aceita que a advogada (Catherine Keener) use o argumento de pessoa insana com dupla personalidade, ainda que a contragosto. Os policiais, em especial Jackie Sullivan (Brendan Gleeson), o provocam, pedem piadas, sem respostas.

Quando Fleck cruza com Lee Quinzel em uma aula de canto na ala psiquiátrica, sua vida muda. A música carrega sentimentos entre os dois, que rapidamente reconhecem a insanidade um no outro. Com o julgamento chegando, os dois se apaixonam e Arthur imagina cenários musicais, por vezes até cantando para uma plateia de policiais, presos e fãs estupefatos. Músicas antigas trazem novas chaves de interpretação.

Como boa parte do filme se passa dentro da cadeia e do tribunal, as mudanças de cenário se dão mais nas imaginações de Arthur. Incapaz de controlar seus sentimentos, logo a paixão vira dúvida. Um mais egocêntrico do que o outro, Lee e Arthur tentam se dominar, encontrando versões deturpadas de amor (especialmente ele) e canções. O diretor Todd Phillips sabe retomar cenas do filme anterior nas quais Coringa se relaciona com a música, como a dança após momentos de violência. Isso torna as cenas musicais mais coesas com o histórico da narrativa e servem como introdução ao filme atual, que aposta ainda mais nessa ligação.

Gaga

Emulando o Coringa original dos quadrinhos, a Harley Quinn de Gaga tem origem incerta e motivações sombrias. Enquanto o Coringa é explicado e recebe uma origem (coisa que os quadrinhos não chegaram a certificar), Lee gravita em torno do palhaço se aproveitando da fama e delírio. Porém, não parece querer construir algo a partir disso. A personagem que poderia ser o grande trunfo da continuação não chega a ser tão bem aproveitada – a aura misteriosa é interessante, mas não se sustenta. Acaba parecendo uma clássica femme fatale que impede o protagonista de alcançar sua redenção.

As músicas surgem como forma de um entrar no delírio do outro. Quando um parece ter breves rompantes de sanidade, é o outro que ritmadamente o leva à loucura. A proposta é interessante e funciona bem, ainda que apareça poucas vezes. Gaga não tem tanto tempo de tela. O que sobra ao filme é retomar temas de sanidade versus insanidade que já estavam desde o começo em “Coringa”. Mas, agora, tentar discutir se Arthur Fleck merece redenção, se estava dividido entre duas personalidades, se ainda há algo de bom nele, parece bater na mesma tecla esperando outro resultado.

Dinâmicas do delírio

O culto à fama e o uso de desgraças como entretenimento estão lá, mas pouco explorados. Lee canta “That’s Entertainment!”, mostrando como está interessada na loucura envolvente e não na redenção de Arthur. A dinâmica de Coringa e Arlequina poderia ter evocado casais insanos como Mallory e Mickey de “Assassinos por Natureza”, mas a insistência do roteiro mediano em tentar resgatar o Arthur de dentro do Coringa deixam a desejar.

Visualmente, o filme é muito bom. Phillips sabe aproveitar os cenários escuros melhor do que outros diretores de filmes de heróis que apenas usam preto. Até momentos coloridos conseguem ser sombrios quando bem aproveitados, e o diretor sabe dominar isso (com a cinematografia de Lawrence Sher, que assinou a direção de fotografia em “Coringa”). A estética se renova, mantendo o que já havia sido construído e ampliando visões. “Coringa: Folia a Dois” é muito bem executado, mas falta ritmo para ter a mesma dança cadenciada de seu original.

Por Brunow Camman
01/10/2024 16h24

Artigos Relacionados

Esquenta “Coringa”: Filmes que inspiraram diretor Todd Phillips e onde assistir

Esquenta “Coringa”: filmes e séries com Lady Gaga e onde assistir