Com muito fôlego, Pélico vai muito além em “Eufor!a”, seu terceiro disco de estúdio

Ao pé da letra, euforia é a demonstração de contentamento ou ainda sensação intensa de bem-estar. Mas o terceiro disco do cantor e compositor Pélico, intitulado “Eufor!a”, vai muito além de qualquer forma de otimismo. “As pessoas estavam esperando um disco mais melancólico. E, não é”, conceitua o músico natural da Zona Leste de São Paulo, com a voz arrastada e com forte sotaque de diversos brasis, em pleno sábado, poucas horas antes de fazer o lançamento de seu recente trabalho, em Curitiba.

O cantar de Pélico, desde o lançamento do seu primeiro disco “O Último Dia de um Homem Sem Juízo”, em 2008, tem se incorporado com as diversas personalidades que ele moldou em sua curta e significante discografia. “Eu brinco bastante com esta história dos personagens. Eu estava muito influenciado pelos Mutantes, Beatles, em que cada faixa tem uma história”, conta Pélico sobre as nuances do disco responsável por inserir sua arte no hall dos compositores do cenário contemporâneo da música brasileira.

Vinícius de Moares, Gonzaguinha, Djavan, Trio Mocotó, Toquinho e Hermeto Pascoal, entre outros homens de distintas gerações e estilos musicais, ocuparam o palco do Teatro Paiol. “É incrível, é lindo, charmoso demais. O público fica mais perto, é como se fosse [teatro de] arena, você se sente muito próximo do público”, explica Pélico sobre se apresentar e lançar o seu disco no Paiol.

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Jesus Sanchez assina a produção de “Eufor!a”, repetindo a parceria do primeiro disco de Pélico. Quem acompanha o músico e já ouviu o terceiro trabalho disponível para download gratuito no site oficial do projeto sabe que, de longe, o disco apresenta uma nova linguagem sonora. “Por mais que a banda sempre participe do processo, foi a primeira vez que a banda contribuiu na pré-produção”, insinua.

Do pop ao samba, dos sopros às novas possibilidades , “Eufor!a”, apresenta Pélico à pele nua de sua essência escrita. A descoberta da sua própria euforia é apresentada junto à leveza que o cantor e compositor tem buscado em sua essência. “Eu fiquei com muito medo dessa coisa da repetição. Não com medo, eu fiquei com uma vontade, uma necessidade muito grande de tentar falar de outra forma”.

Em um mercado fonográfico mais cristalizado por utilizar as mesmas referências sonoras para consolidar a fórmula e a carreira musical de artistas emergentes, Pélico vai contra o mercado e desenvolve sua arte de acordo com seu estado de espírito, desta vez, mais eufórico do que nunca.

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ENTREVISTA

Curitiba Cult: Dos teus três discos, tem algum fio condutor que te leva pra alguma ideia do compor e cantar ou são trabalhos completamente distintos?

Pélico: O primeiro, “O Último Dia de um Homem Sem Juízo”, tem uma coisa muito de personagem. Quando surgiu a canção eu pensei nessa história de ser um personagem. E isso eu levo até no meu cantar. As faixas são muito distintas. Tem uma faixa que eu faço até uma voz feminina, “A Última Canção”. Então eu brinco bastante com esta história dos personagens. Eu estava muito influenciado pelos Mutantes, Beatles, em que cada faixa tem uma história.

Já em “Que Isso Fique Entre Nós”, eu fui me aproximando do meu cantar, tem uma unidade em relação a isso. É mais linear nesse sentido, mas ainda tem algumas faixas em que eu brinco. Já em “Eufor!a”, sou eu mesmo.

E como você define o teu cantar?

Cara, era uma vontade que eu tinha. Em “Que Isso Fique Entre Nós” eu queria minha voz plena. Mas ainda escapou em algumas [faixas em] que eu fiz personagem.

Isso porque você tem essa cadência na voz. Embora você seja de São Paulo, às vezes remete a uma fala baiana, mais arrastada, mais vagarosa…

Mas é verdade, sempre confundiram. As vezes acham que eu sou daqui de Curitiba, de Porto Alegre. Inclusive, esses dias fui jantar com o Zuza Homem de Melo [produtor e crítico musical] e a esposa dele e eles disseram que eu tava com um sotaque do Nordeste. Eu falei que poderia ser pela convivência com o guitarrista da minha banda, que é de Fortaleza. Mas a gente não convive tanto assim pra eu ter esse sotaque. É curioso, muitas pessoas me perguntam. Falo que sou de São Paulo, e questionam se realmente eu sou de lá…

E da Zona Leste ainda…

Isso mesmo. Mas nasceu lá? Sim, de lá mesmo.
 
Você está com “Eufor!a” há sete meses com muito trabalho. Desde o início, até os dias de hoje, essa tal “Eufor!a” segue a mesma ou transmutou? Como está esse ser eufórico?

Esse “Eufor!a”, que algumas pessoas estranharam no início, por ser  um disco eufórico no sentido literal da palavra e na verdade não é, é uma vontade de observar as coisas com mais euforia, não um estado absoluto de euforia. E mesmo assim é um estado muito delicado e breve. O disco tem estas nuances. Tem coisas muito mais solares, como a música “Sobrenatural”. “Escrevo”, muito intimista. “Vaidoso” é uma reflexão, e não necessariamente eufórica. Eu encaro como um disco mais feliz e eufórico do que os anteriores. E isso que você me perguntou é curioso porque eu sinto isso no show.

Das pessoas esperarem essa explosão?

E tá chegando, sabe? As pessoas estão compreendendo. Eu demorei um pouco entre o “Que Isso Fique Entre Nós” e “Eufor!a”, foram quatro anos e parece que aquela coisa do lírico, poético e de uma coisa mais introspectiva e um pouco triste predominou. Então eu acho que as pessoas estavam esperando um disco mais melancólico e não é. Embora haja reflexões.

Isso que você falou vem de encontro com a produção do Jesus Sanchez ou tem um processo anterior?

O Sanchez produziu os três. Por mais que a banda sempre participe do processo, foi a primeira vez que a contribuiu na pré-produção. “O Último Dia De Um Homem Sem Juízo” eu fiz muito arranjo, gravei quase todas as guitarras em casa. Eu montava as partes das músicas, as estruturava e entreguei muita coisa adiantada. No “Que Isso Fique Entre Nós”, foi uma coisa mais eu e o Sanchez elaborando os arranjos. O Bruno Bonaventure, que participou dos três, a gente direcionava para alguma coisa, sabe? Esse teve a colaboração muito forte dos músicos. Eu fiz a pré-produção do disco com o Régis Damasceno, Richard Ribeiro e Dú Prado [Ricardo Prado], que é guitarrista e tecladista do [Marcelo] Jeneci, e ficamos uma semana num sítio em Piracaia [interior de São Paulo] levantando essas bases para depois entregarmos para o Sanchez dar uma sacada e a gente começar a produzir.

Eu li uma entrevista tua em que o Felipe Catto diz que tuas letras têm uma pegada de samba, e você concordou com isso após uma faixa gravada. Você tem essa dificuldade de rotular, atribuir um gênero ao seu trabalho, mesmo compreendendo essa questão mercadológica e imposta no seu trabalho?

É. Essa história realmente aconteceu. Há muito tempo que o Felipe fala, cara, você é um sambista e não sabe, toda cadências das tuas letras, o jeito que você fala, só você não descobriu ainda. E eu esqueci disso. Eu não sou um compositor muito técnico, vou sentar e fazer um samba, fazer um xote e sair um xote. Mas coisas saem muito antes, ficam no inconsciente. Quando eu comecei a fazer a letra de “Você Pensa Que Me Engana”, e a música veio junto com a melodia, terminei e falei “cara, eu fiz um samba”. Eu mandei pra ele por e-mail e ele me ligou na hora. Mas há muito tempo eu não tenho mais essa preocupação. Acima de tudo eu sou um compositor e tenho uma carreira artística pra mostrar minhas letras. Claro, eu adoro cantar outros compositores no meu show. Mas ela existe pelo fato de eu compor. Eu fico feliz quando acontecem algumas coisas como essa, de sair um samba. Ou então, tem uma música que chama “Sozinhar-me”, um neologismo do Mia Couto do livro “Terra Sonâmbula”, que me chamou muita atenção quando eu li. E meses depois eu lembrei dessa palavra, não me lembrava de qual livro era, por já ter lido muita coisa dele. Acabei achando o livro e apalavra estava lá, sublinhada. E ela parece um samba de roda.

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Tem um pé da cultura negra explícita no seu disco!

É, tem, exatamente! Até em canções mais pop, como “Sobrenatural”, tem um molho ali. Um pouco antes de começar a produzir “Eufor!a”, eu estava escutando muita música negra americana que de alguma forma  se imprimiu no disco. Então, eu percebo essas coisas do suingue da música negra, e isso até mesmo dividiu alguns bateristas nesse disco. O Curumim fez umas com mais suingue, com esse tempero soul americano.

De todo esse teu processo lírico e muito particular explícito nas suas canções, algo modificou sua maneira de compor, transformar em música suas dores, amarras, tudo?

Do “Que Isso Fique Entre Nós” para o “Eufor!a”, eu fiquei com muito medo dessa coisa da repetição. Não com medo, eu fiquei com uma vontade, uma necessidade muito grande de tentar falar de outra forma. Por isso o nome “Eufor!a”. Eu quis ser um compositor leve, foi um desafio pessoal. Tentar escrever, exercitar de uma forma mais leve. É um processo natural meu. Eu já estou compondo outras coisas com outro olhar. Testando outras coisas. Me movimentando como compositor. O processo é esse um pouco. Às vezes achar outros caminhos harmônicos, melódicos. Gosto desse exercício.

Porque, a primeira música que você fez esse disco foi lá em 2012, em homenagem ao Tom Zé…

Exatamente, o “Repousar”, que era aquele anseio de que as coisas se acalmassem também. Eu até brinco quando eu fui gravar….

Também, querer se acalmar ao lado de Tom Zé é quase uma inquietude!

É verdade. Quando ele me chamou para gravar [Pélico participou do disco Lixo Lógico), eu fiquei tão feliz com o convite que queria levar um presente. Eu sabia que ele gostava de flores, mas pensei que ele poderia ter muita coisa, eu não entendia nada disso, mas queria levar alguma coisa. E levei uma música de presente, levei no dia, foi um barato. É verdade, tinha me esquecido disso, foi a primeira música. Já aponta outra coisa, tem um papo leve. Eu sou muito fã dele, não queria fazer algo exaltação. Aí, eu falei, pô, já sei, quando a gente admira muito alguém, o trabalho, a gente quer ser amigo dele. Então fui lá e pedi um conselho de amigo. A letra fala isso: pô, Zé, me ajuda. Queria tomar uma cerveja com ele, falar “rapaz, estou com um problema, o que você aconselha?”. Eu trabalho com esse processo de escrever de outras formas. Claro, tem uma influência muito forte por eu ser autobiográfico, a minha vida influencia muito nas músicas. O samba “Você Pensa Que Me Engana”, por exemplo, é história de alguma pessoa, mas quando eu ouço tem coisa minha ali no meio. Mesmo quando eu quero ser impessoal eu vou lá e coloco o bedelho.

Esse é o primeiro disco que não tem o nome o nome dele estampado na capa, e o primeiro que tem seu nome estampado…

É, e tem meu rosto. O primeiro [disco] é uma ilustração, o segundo eu de costas. E, nesse, pô, esse eu preciso me mostrar. A arte é do Felipe [Catto], e a foto do Bob Wolfenson.

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E o processo dessa junção foi natural? Como se deu essa arte gráfica?

O Bob apareceu logo depois de “Que Isso Fique Entre Nós”, que ele ouviu. Logo pediu para fazer a foto do próximo. Eu não sabia quanto tempo ia levar, mas eu ia cobrar. Cobrei e ele topou. Ele já havia feito a arte do disco dele e da Alice Caymmi, que ficou lindão. Então ele tem essa veia design, artista gráfico e tal. Antes de eu começar a gravar me cobrou. E ficou lindo, classudo. Chegar ao simples é difícil.

É, tem essa pegada minimalista, com referência contemporânea. E você pretende trabalhar com o disco em outros formato? DVD, LP?

A ideia é seguir com ao divulgação do “Eufor!a” porque, bom, 2015 foi bizarro, foi um ano estranho para diversas áreas.

Qual é teu signo?

Aquário.

Faz sentido então ter sido um ano estranho!

Aé? Qual o seu?

Sou capricorniano com ascendente em áries. Sou uma pessoa que sofre.

Então seu aniversário tá chegando?

Sim, daqui dois meses! Está aí já!

Pessoa que sofre é ótimo!

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Mas é. 2016 é ano 9. E eu acredito, que justamente por esse caos, toda essa densidade vai refletir no próximo ano pela interferência numeróloga. Então, vamos construir tudo o que foi cativado. O ano 8, esse que ainda paira, por ter essa ideia do mundo em movimento… É perceptível em tudo isso que tem acontecido no cenário, no Brasil…

No mundo, mas principalmente em tudo isso que aconteceu nas últimas semanas. E é curioso, porque eu estava conversando com um amigo guitarrista e ele falando exatamente sobre o inferno astral. As pessoas têm uma ideia muito errada do inferno astral. É um passo atrás para você se projetar para algo melhor. É tão decorrente as pessoas reclamarem do inferno astral. Nunca ouvi alguém falar positivamente. Ele disse, minha astróloga falou… Eu não sofro mais. E eu vou guardar isso para mim. Mas eu quero tocar ainda em muito lugar. Tem rolado muito bem por perto do que se esperava. Eu quero ir para o Nordeste, quero voltar para o Rio, tocar em Porto Alegre. E tocar aqui é muito bom.

E se apresentar no Paiol é quase místico…

Eu sempre guardo. Na primeira vez que eu vim pra cá, falaram que o publico daqui é difícil de se cativar, conquistar. Quando eu toquei aqui, no James, eu acho que deu muita sorte. Quero voltar. Aí fiz Paiol, foi mais legal ainda. Então eu tive sorte. Poxa que bom, tive sorte. Paralelo a isso, tem meu trabalho como compositor, sempre ofereço música para cantores e cantoras. É um trabalho que me ajuda. Eu não perco o foco. Eu gosto muito de ouvir, cantar ao vivo e me apresentar, outros artistas e bandas fazendo minhas músicas. Me dá muita satisfação. Eu quero intensificar mais.

(Imagens: Divulgação)

Por Lucas Cabana
28/11/2015 14h27