Cemitério Municipal: a cidade dos mortos

No alto do bairro São Francisco, distando cerca de um quilômetro do marco zero da cidade, está localizada a primeira necrópole curitibana. A invocação a São Francisco de Paula em seu nome é por muitos desconhecida, já que grande parte dos curitibanos ainda se refere ao local apenas como “Cemitério Municipal”. Inaugurado por Zacarias de Góes e Vasconcellos em dezembro de 1854, sua abertura marcou o ingresso da capital paranaense aos preceitos higienistas, que pregavam o término dos enterros ad sanctos – no piso ou paredes laterais das igrejas – e a inauguração dos cemitérios extramuros, fora do perímetro urbano.

Ao longo de seus mais de 162 anos de história, o Cemitério Municipal foi repositório final para anônimos e personalidades, somando hoje, em seus 51.414 metros quadrados, mais de 80 mil sepultamentos. Assim como a cidade dos vivos, a necrópole dispõe de bairros onde tipologias construtivas diversas discursam sobre representações de vida e morte. Das estelas e oratórios esculpidos em mármore Carrara presentes no Centro Histórico, aos mausoléus suntuosos do Batel de políticos e ervateiros, periferia e bairro urbanizado também tiveram suas áreas delimitadas na ocupação progressiva da necrópole.

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Entre suas ruas e alamedas, há espaços de destaque, ocupados por famílias influentes em túmulos suntuosos, assim como aqueles marginais, de construções mais simples, imbricados em relações de vizinhança. Diferentes estilos de vida e classes sociais estão representados em tipologias construtivas semelhantes às da cidade dos vivos. Do prestígio do político Vicente Machado, habitante de um dos primeiros mausoléus construídos no cemitério, à simplicidade de uma sepultura ocupada pelo ex-escravo Vicente Moreira de Freitas, um dos fundadores do Clube 13 de Maio , todos gozam da mesma condição: a de ecos de nosso passado. Ora relembrados, mas muitas vezes esquecidos, esses personagens recontam parte da história de Curitiba e do Estado do Paraná.

Passear por suas alamedas é revisitar não apenas memórias gravadas na pedra, mas referências construtivas da cidade dos vivos, como o paranismo, o art deco, o ecletismo entre outras. Essa paisagem revela sem acanhamento ciclos migratórios e econômicos, a influência da religiosidade, a secularização do estado, mas, acima de tudo, a necessidade de se constituir uma memória para ser lida, vista e assim evitar o desaparecimento completo de nossos antepassados. Uma cidade de mortos para vivos.

Texto Clarissa Grassi, especial para o Curitiba Cult

Mestra em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná, é presidente da Associação Brasileira de Estudos Cemiteriais. Pesquisa cemitérios há 13 anos e é autora de 3 publicações sobre o Cemitério Municipal São Francisco de Paula.

Fotos: Patryck Madeira / Curitiba Cult

Por Curitiba Cult
28/11/2016 23h48