Entramos, eu e meu namorado, no carro de um estranho que, conjurado por complexíssimos feitiços de invocação (um aplicativo de celular), se materializa, do nada, disposto a cruzar metade de Curitiba em troca de dinheiros invisíveis (a maior parte dos quais, aliás, ele realmente nunca chegará a ver). Cotidiano da contemporaneidade: por muito menos se queimou gente na Idade Média.
Somos, eu e meu namorado, bastante discretos em matéria de DPA (calma, gente: trato de Demonstrações Públicas de Afeto), sobretudo dentro do carro de estranhos conjurados do nada etc. a quem, pela meia hora seguinte, entregaremos nossos destinos e, não seria exagero pensar assim, nossas vidas. Viajamos cada um no seu canto e, quando muito, nos damos as mãos a uma altura imperceptível. Cuidamos sempre para que a conversa se mantenha mais ou menos neutra, e vocativos carinhosos são ousadia que buscamos evitar. Beijo, só em adeuses extremos, e mesmo abraço é arriscado – no país que mais mata pessoas LGBTQIAP+, nunca se sabe quando o motorista é um homofóbico de plantão, esperando apenas presenciar um gesto de amor para ficar mortalmente ofendido e se sentir justificado em atos com potencial homicida. Tal e qual na Idade Média.
Sob os termos desse acordo tácito, avançamos pela rota. Meu namorado desce numa primeira parada, mas, antes, talvez influenciado pelas borboletas que romanticamente pairam pelo ar de um belo (e raro) dia de sol em Curitiba, se despede de mim com um selinho. Fico alarmado, mas acho bom e devolvo a carícia com gosto, enquanto borboletas outras se alvoroçam em meu estômago. Verifico pelo retrovisor: ao que parece, o motorista não se importou. Sigo viagem, mas o sinal fecha na esquina. Vejo quando, sem saber que eu o observo, meu namorado entra na barbearia, dá satisfações ao barbeiro e, quase na ponta dos pés, desliza para dentro do estabelecimento vizinho – uma casa de bolos e tortas. Dieta, por hoje, nada. Rio com ternura e me permito comentar a cena com o condutor, que também acha graça, mas se aproveita da guarda baixa para avançar à queima-roupa:
— É diferente o relacionamento entre dois homens?
A pergunta me desconcerta. Sou bastante bom em ler pessoas, mas, como estou desprevenido, não sou capaz de decifrar o tom do motorista – na realidade, mal consigo entender as palavras que saíram de sua boca, pois ele tem uma dicção muito prejudicada. Entre apreender o que disse e interpretar o que quis dizer, fico paralisado. Será que foi uma provocação? Uma curiosidade genuína? Uma investida de um hétero curioso? Um pedido de ajuda para sair do armário?
Tenho a impressão de me esgueirar sobre um campo minado. Estarei, pelos próximos quinze minutos, nas mãos daquele homem. É preciso cautela. Tomo o rumo de uma resposta elusiva: não sei, porque nunca namorei mulher, e forço uma risada amigável, que, no entanto, não encontra eco na voz do motorista. Silêncio constrangedor, pigarro, gota de suor descendo pela testa. Para sair do buraco, continuo a conversa com uma frase em que nem acredito tanto assim: é tudo mais direto ao ponto.
Sucesso. O motorista se desarma: é, até na hora de chegar, né? Meu diafragma volta a funcionar, porém levo alguns segundos para sacar que ele usou o verbo chegar como chegar, ao modo dos jovens (essa afirmação é leviana: os jovens ainda usam “chegar” como chegar? Acho que esse texto acaba de se tornar datado). Dou um sorriso mais de alívio do que de retribuição, ao que ele se arvora: relacionamento com mulher é complicado, viu? Elas tão sempre fazendo algo pra ferrar contigo.
Relaxar foi precipitado: agora caminhamos sobre a fina linha entre o relato de amargas desilusões amorosas e a pura e simples misoginia. Não preciso adivinhar, pois sei que, aberta a porteira, vem boiada por aí. E estou certo. Por alguma razão, ele se sente confortável para me revelar que está pegando duas casadas. É bem verdade que estamos na Era de Aquário, mas, até dia desses, isso ainda era considerado, senão franca falta de vergonha na cara, no mínimo um desvio ético (ainda é? Os jovens ainda pensam assim? Esse texto nem nasceu e já está ultrapassado? Para registro: o motorista era de pelo menos duas gerações antes da minha).
Mas ele não para por aí e me informa, com ar de triunfo, que as duas mulheres são não somente amigas entre si, mas amigas de infância. E que, como todos aqui já devem imaginar, uma não sabe da outra. Uma delas veio até com o papinho barato de largar o marido, mas ele escapou sob a riquíssima desculpa de que, se isso acontecesse, as coisas iam acabar ficando diferentes. Ele não sente culpa nenhuma, na medida em que, se são elas as comprometidas, não deve fidelidade a ninguém. Narra tudo como quem conta vantagem, concluindo que ele é que não vai se deixar prender por seu ninguém, tanto menos mulher, esse ser diabólico que, ele reitera, está sempre tramando para ferrar com os homens etc.
Me sinto ressabiado com o quão à vontade está o motorista para se confessar comigo. Sua fala é machista e vela truculências que não podem mais ser toleradas. Quero reagir, mas temo por mim, enquanto lembro que é ele quem tem a literal direção entre os dedos – e que, em mãos erradas, carro é arma. Por que ele se sente tão confortável para se abrir comigo?
Cogito que tenha gostado de mim e que, como confiei a ele um aspecto da minha intimidade, se sente em casa para se abrir com o mais novo parça. No entanto, sou um pessimista e tendo a guardar pouca fé na humanidade, então uma outra possibilidade ganha força, e o céu de Curitiba súbito se fecha em nuvens e sombras: será que ele equipara seus delitos sexuais à minha sexualidade? Será que acha que estamos no mesmo patamar moral? Que a mera demonstração do meu afeto, ainda que sob a idílica forma de um selinho, nos coloca em pé de igualdade? Que eu, que nunca traí nem enganei ninguém, sou, pelo simples fato de existir, um malfeitor de semelhante estirpe?
Não tenho mais energia para interagir. E, de toda forma, não haveria tempo para buscar as respostas, pois estou chegando em casa. Melhor assim. Subo, abro a porta, me sento no chão da sala como quem escapou de apuros e, enquanto meus gatos me dão as boas-vindas se roçando em mim, fico sem entender se fiz um amigo ou se sofri uma violência. Acho que vou comprar um carro.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
As Crônicas de Uma Relação Passageira conta a história do romance entre Charlotte (Sandrine Kiberlain) e Simon (Vicenti Macaigne) que se conhecem em uma festa. Charlotte é uma mãe e solteira, já Simon é um homem casado e sua esposa está grávida. Eles se reencontram num bar e começam um relacionamento repleto de percalços. Ela é mais extrovertida, pouco preocupada com o que os outros pensam. Ele é mais tímido e retraído. A princípio, os opostos realmente se atraem e ambos concordaram em viver uma relação apenas de aventuras, mas tudo se complica quando os dois criam sentimentos um pelo outro e o que era para ser algo muito bom, acaba se tornando uma relação perturbadora.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Dirigido e roteirizado por Pat Boonnitipat, a trama dessa ficção emocionante, Como Ganhar Milhões Antes que a Vó Morra, acompanha a jornada do jovem When M (Putthipong Assaratanakul), que passa a cuidar de sua avó doente chamada Amah (Usha Seamkhum), instigado pela herança da idosa. O plano é conquistar a confiança de sua avó, assim será o dono de seus bens. Tendo interesse apenas no dinheiro que Amah tem guardado, When resolve largar o trabalho para ficar com a senhora. Movido, também, por sentimentos que ele não consegue processar, como a culpa, o arrependimento e a ambição por uma vida melhor, o jovem resolve planejar algo para conseguir o amor e a preferência da avó antes que a doença a leve de vez. Em meio à essa tentativa de encantar Amah, When descobre que o amor vem por vias inimagináveis.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Um aspirante a escritor utiliza um alter ego para desenvolver seu primeiro romance. Em Sebastian, Max é um jovem de 25 anos que vive como escritor freelancer em Londres trabalhando com artigos para uma revista. Ter um livro publicado fala alto na lista de desejos do rapaz e, então, ele encontra um tema para explorar: o trabalho sexual na internet. Se a vida é um veículo de inspiração para um artista, Max corre atrás das experiências necessárias para desenvolver a trama de seu livro. Com isso, durante a noite, Max vira Sebastian, um trabalhador sexual com um perfil em um site no qual se oferece pagamentos por uma noite de sexo. Com essa vida dupla, Max navega diferentes histórias, vulnerabilidades e os próprios dilemas. Será que esse pseudônimo é apenas um meio para um fim, ou há algo a mais?
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Uma comédia em que grandes segredos e humilhações se cruzam e vem à tona. Histórias Que é Melhor Não Contar apresenta situações com as quais nos identificamos e que preferimos não contar, ou melhor, que preferimos esquecer a todo custo. Encontros inesperados, momentos ridículos ou decisões sem sentido, o filme aborda cinco histórias com um olhar ácido e compassivo sobre a incapacidade de controlar nossas próprias emoções. Na primeira história, uma mulher casada se vê atraída por um rapaz que conheceu em um passeio com o cachorro. Em seguida, um homem desiludido com seu último relacionamento se vê numa situação desconfortável na festa de um amigo. Na terceira, um grupo de amigas atrizes escondem segredos uma da outra. Por último, um professor universitário toma uma decisão precipitada; e um homem casado acha que sua mulher descobriu um segredo seu do passado. Com uma estrutura episódica, as dinâmicas do amor, da amizade e de relacionamentos amorosos e profissionais estão no cerne desse novo filme de Cesc Gay.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Lee, dirigido pela premiada cineasta, Ellen Kuras, vai contar a história da correspondente de guerra da revista Vogue, durante a Segunda Guerra Mundial, Elizabeth Lee Miller. O filme vai abordar uma década crucial na vida dessa fotógrafa norte-americana, mostrando com afinco o talento singular e a tenacidade dela, o que resultou em algumas das imagens de guerra mais emblemáticas do século XX. Isso inclui a foto icônica que Miller tirou dela mesma na banheira particular de Hitler. Miller tinha uma profunda compreensão e empatia pelas mulheres e pelas vítimas sem voz da guerra. Suas imagens exibem tanto a fragilidade quanto a ferocidade da experiência humana. Acima de tudo, o filme mostra como Miller viveu sua vida a todo vapor em busca da verdade, pela qual ela pagou um alto preço pessoal, forçando-a a confrontar um segredo traumático e profundamente enterrado de sua infância.
Data de Lançamento: 19 de dezembro
Prólogo do live action de Rei Leão, produzido pela Disney e dirigido por Barry Jenkins, o longa contará a história de Mufasa e Scar antes de Simba. A trama tem a ajuda de Rafiki, Timão e Pumba, que juntos contam a lenda de Mufasa à jovem filhote de leão Kiara, filha de Simba e Nala. Narrado através de flashbacks, a história apresenta Mufasa como um filhote órfão, perdido e sozinho até que ele conhece um simpático leão chamado Taka – o herdeiro de uma linhagem real. O encontro ao acaso dá início a uma grande jornada de um grupo extraordinário de deslocados em busca de seu destino, além de revelar a ascensão de um dos maiores reis das Terras do Orgulho.