Foi no ano de 1963 que o apresentador de televisão estadunidense Ed Sullivan começou a preparar um dos maiores acontecimentos da história da comunicação. Acompanhado de sua esposa, Ed ficou surpreso ao chegar no aeroporto Heathrow, em Londres, e se deparar com uma multidão de jovens ansiosos e barulhentos que aguardavam por alguma coisa debaixo da chuva. Ao saber que toda aquela comoção se devia a um novo grupo musical chamado ‘The Beatles’, ele percebeu que eles poderiam ser as estrelas do seu show de tv. No ano sequinte, os Beatles viraram a esquerda na Groenlândia – como explicou Ringo Starr – e desembarcaram nos EUA para diminuir um pouco mais o tamanho do globo. A euforia foi geral. Apenas 77 dias após a morte do Presidente Kennedy, o país buscava por um alívio. Os 700 lugares disponíveis no estúdio representaram não mais que uma fração dos 50.000 pedidos de convites. As 20:00 do dia 9 de fevereiro de 1964, 23.240.000 casas tinham suas tvs sintonizadas na CBS para assistir a primeira apresentação dos Beatles em solo americano.
Entre as 73 milhões de pessoas que conferiram a estréia dos Beatles, estava Cass Elliot. Para celebrar a ocasião, ela convidou alguns amigos para assistirem ao programa do Ed Sullivan daquele domingo. Nessa noite, talvez inspirados pelos novos ares que os Beatles traziam, Cass Elliot e seus amigos decidiram montar uma banda. Assim surgiu os ‘The Mugwumps‘. A banda, que misturava folk e rock daquela maneira descontraída, não conseguiu muito sucesso. Porém, os trabalhos subseqüentes a ela foram decisivos para o rock. Entre os presentes naquela festa de inverno na casa da Mama Cass, estava Denny Doherty. Juntos, mais tarde, eles formariam o ‘The Mamas & The Papas’ e, num dos seus grandes sucessos – Creeque Alley – contariam a história dos Mugwumps. Essa noite também reservou outro encontro marcante. O nova-iorquino John Sebastian conheceu o canadense Zal Yanovsky. No ano sequinte eles formariam uma banda que construiu uma história de hits nas paradas de sucesso com seu som folk-rock-alto-astral: The Lovin’ Spoonful.
John Sebastian nasceu em 1944, em Greenwich Village. Filho de outro John Sebastian, esse responsável por difundir a harmônica na música clássica, ao perceber que seu amigo Zal estava sem banda após o fim dos Mugwumps, resolveu convidá-lo para iniciar um novo projeto musical. Assim, os dois se juntaram ao baixista Steve Boone e ao baterista Joe Butler e, inspirados na música Coffee Blues, do Mississippi John Hurt, fundaram o ‘The Lovin’ Spoonful’. O som da banda está dentro do universo do folk-rock, porém o folk descrito aqui é aquele que caminha muito próximo do rock e do pop. O que fica evidente nas composições da banda. As músicas, que via de regra levam a bela voz de John Sebastian e se enquadram dentro do que podemos chamar de “good-time music”, conseguiram se destacar e fazer sucesso numa época em que as paradas de sucesso eram disputadas pelos músicos da Motown e pelas bandas da invasão britânica. Isso mostra a importância do Lovin’ Spoonful dentro do grupo dos que primeiro responderam aos novos sons vindos da terra da rainha.
Em novembro de 1966, o Lovin’ Spoonful já havia lançado dois discos e uma trilha sonora. Além disso, eles já colecionavam alguns hits, como ‘Do You Believe in Magic‘, ‘You Didn’t Have to Be So Nice‘, ‘Daydream‘ e ‘Did You Ever Have to Make Up Your Mind?’ – todas top 10 tanto nos EUA quanto no Reino Unido. Naquele momento, eles tinham mais alguns hits e outras canções para incluir num novo álbum. A intenção da banda, ao entrar no estúdio, era soar de uma forma completamente diferente em cada canção. E, assim, nasceu o último disco gravado pela formação original da curta história do Lovin’: ‘Hums of the Lovin’ Spoonful’.
Não por acaso, John Sebastian tornou-se um dos mais bem sucedidos compositores do rock. O disco, praticamente composto e cantando inteiro por ele, revela-se uma coleção de canções envolventes, divertidas e despreocupadas que passeiam sem pudores por diversas influências. O arpejo das guitarras abrem caminho para os primeiros versos do disco em ‘Lovin’ You‘. Já podemos notar a beleza da voz de John Sebastian acompanhada por um arranjo que começa despretencioso, mas que suavemente cresce. A letra, que fala de um casal que se ama até enquanto espera o outro acordar, mostra que o alto astral é lei nessa audição. Cada faixa, como o disco propoem, é uma surpresa. A próxima canção, ‘Bes’ Friends‘, trás mudanças na composição, no arranjo e no instrumental. O violino e os violões concluem que para achar um amor que dure até o fim, o melhor é achar um amor que seja o seu melhor amigo. A próxima faixa nos leva a outra estação. Retomando as guitarras, com outro estilo de vocal, backing vocals namorando a psicodelia e uma ponte construida sobre a percussão, ‘Voodoo In My Basement‘ apresenta um novo clima ao disco, como o próprio nome nos faz supor.
Após um pouco de tensão, retomamos o companheirismo e a paixão na próxima faixa. ‘Darlin’ Companion‘, um dos grandes sucessos do disco, possui um arranjo de guitarras que mistura timbres e arranjos de maneira harmoniosa. É um ótimo exemplo das qualidades do ‘Lovin’ Spoonful’. Não se assuste com a grande mudança na dinâmica que ‘Henry Thomas‘ e sua mistura de instrumentos trás na sequencia. ‘Full Measure‘ inicia ao som do órgão e tem no seu vocal principal a voz do baterista Joe Butler. Na letra, ele canta algo que me lembra a poesia do Brian Wilson quando esse diz “I’m picking up good vibrations‘” O verão do amor estava logo ali, boas energias estavam em alta até na música pop.
‘You and Me and Rain on the Roof‘ – lançada anteriormente como single sob o nome de ‘Rain on the Roof’ – vem em seguida. O arranjo, novamente, surpreende por trazer novos instrumentos e sensações. Tudo para transmitir o que uma tempestade no verão pode trazer, e até alguns motivos para torcer para que ela não acabe tão cedo. Depois do calor dessa chuva no verão, uma noite refrescante em frente ao oceano. ‘Coconut Grove‘, música inspirada no cantor Fred Neil, tem um ótimo trabalho de guitarras e antecede outro hit da banda. Trazendo uma forte pegada folk e uma envolvente melodia de voz, ‘Nashville Cats‘ mostra uma guitarra ritmica que, jutamente com a bateria, da espaço para a bela guitarra lead. Aproximando-se do fim do disco, a rotação começa a aumentar. Mostrando o rock que eles possuiam, ‘4 Eyes‘ transborda energia com sua guitarra slide para contar um pouco das angústias de quem precisa usar óculos. E, por fim, uma das mais famosas músicas do ‘Lovin’ Spoonful’. Ainda mais dentro do rock n’ roll, numa música de alta frequência, ‘Summer In the City‘ é a descrição dos dias de intenso calor em que as pessoas buscam abrigo do sol na diversão da noite.
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Uma das características mais marcantes desse disco é variedade de sonoridades e intenções. Cada faixa aponta para um universo diferente. Alguns dizem que isso acaba por enfraquecer o sentido de unidade deste disco. O que, de certa forma, é verdade. Porém, isso não precisa ser encarado como um demérito. Ao escutarmos suas músicas, percebemos a incrível versatilidade deles ao passearem por diversos estilos, como o country, folk, pop, rock, ragtime. E, mesmo assim, eles conseguem construir suas músicas dentro de um mesmo sentimento. O ‘Lovin’ Spoonful’ é uma banda para escutar sem preocupações, em manhãs tranquilas de verão.
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