Um Homem Afogado

Uma das mais poderosas vozes que o soul de Memphis produziu. Uma voz que não só passeava pelas canções, como também trazia todos os sentimentos, angústias e amores que a moviam em interpretações únicas. Essa voz, que nunca conseguiu fazer grande fama, lutou durante toda sua vida contra seus demônios e nos deixou uma obra-prima.

James Carr era dono de uma voz incrível, mas tinha nele mesmo seus maiores problemas. A sua depressão o impediu de ter melhor sorte na carreira, que ficaria marcada por um grande hiato e pela falta de um maior reconhecimento. Nascido em 1942, no Mississippi, EUA, se mudou para Memphis ainda muito novo e lá começou a cantar na Igreja e com grupos gospel. Nos anos 1960 James já buscava dar seus primeiros passos como músico profissional e, em 1964, ele assinaria contrato com a Goldwax, selo pelo qual lançaria, em 1966, o disco que o colocaria entre as perólas do soul: You Got My Mind Messed Up.

https://www.youtube.com/watch?v=dFZ7yADHk_A

O título do disco não poderia ser mais adequado, pois as canções são sobre as mentes bagunçadas por algumas paixões. As ótimas composições – algumas também gravadas por muitos outros artistas – ganham um brilho e uma potência única graças a intensidade das interpretações de Carr. Só as palavras não seriam capazes de explicar o que sente quem se deixa afogar. Mas entre gritos e risadas, James transborda feeling para não deixar dúvidas do quanto dói ter numa paixão a fonte de todos os problemas.

As canções se revezam entre músicas agitadas e baladas, com country e soul de sobra, balanceando as sensações e  as dinâmicas do disco. Depois da abertura com ‘Pouring Water On A Drowning Man’, temos ‘Love Attack‘. Outra pegada, mas tão intensa quanto. Novamente, a interpretação da um sentido a mais para versos que admitem que às vezes é mais fácil curar um pneumonia a um amor. E essa dor é tanta que ninguém quer se machucar. E James, no refrão de ‘I Dont Want To Be Hurt Anymore‘, prende nossa respiração enquanto confessa isso num grito, ou num choro. ‘She’s Better Than You‘ é outra canção que trás angústias como essas.

E as incríveis interpretações do vocal são acompanhadas de grandes performances instrumentais. Guitarras, baixo, órgão Hammond, bateria e metais ajudam a construir esse grande disco. Em ‘Coming Back To Me Baby‘, além do belo solo dos metais, o Hammond improvisa durante os versos. Já em ‘I’m Going For Myself‘, ele aparece sutilmente para depois dominar o refrão. Os arranjos também ajudam a transmitir as sensações e as crescentes nas músicas. Somente a cozinha – bateria e baixo – acompanhando a voz. Já é impossível não dançar quando a guitarra surge marcando o ritmo. As diferentes partes de ‘That’s What I Want To Know‘ tem em comum uma energia pulsante, enquanto James Carr sofre mais um pouco quando diz que ela disse que o amava, e é só isso que ele sabe. O James Carr deve ter se queimado nos riffs da guitarra de ‘Lovable Girl‘. A música mais famosa desse disco, além de ser a primeira, é considerada por muitos a versão definitiva. Chips Moman e de Dan Penn escreveram ‘The Dark End of the Street‘ pensando na voz de James Carr. O tremolo da guitarra e o coral ajudam a descrever um romance nas palavras de quem o percebe como um erro.

James impressiona com sua voz a cada faixa. Além dos graves incríveis, Carr alcança notas mais altas com a mesma emoção. ‘These Ain’t Raindrops‘, que conta com outra bela linha de órgão, mostra James explorando notas mais agudas. Em ‘Forgetting You‘, um blues lento sobre a dificuldade, às vezes impossibilidade, de se esquecer alguém. E, com cada vez mais força, James vai crescendo junto com a música, que trás a guitarras solando e falsetes.

You’ve Got My Mind Messed Up‘ dá nome e encerra o disco. Outra canção forte e emocional que termina, assim como outras, com gritos de ‘I love you’. A carreira de James Carr jamais decolaria. Mais um disco e algumas turnês – numa delas, no Japão, Carr paralizou diante da plateia após abusar de antidepressivos – e um hiato. Ele só voltaria a gravar um disco na década de 1990. Quem o conheceu garante que ele era uma grande pessoa e um enorme talente que não conseguiu brilhar como deveria por causa de seus problemas emocionais. Suas interpretações, tão cheias de sentimento e energia, capazes de transformar e trazer emoções as canções,  revelam isso e nos fazem imaginar sobre quantos amores James poderia ter cantando.

  • NÃO É MAIS DIA 36
    • Pilula musical para mudar de vibe
      • Mac DeMarco – The Way You’d Love Her – 2015

Por Vinicius Vianna
14/07/2015 13h00