É estranho imaginar que uma das maiores pop stars do mundo vive há mais de dez anos sob a tutela do pai, mesmo com quase 40 anos de idade. Sem autonomia financeira, sem direito a fechar os seus próprios contratos, sem direito a votar ou dirigir e com uma vida monitorada em tempo integral, é assim que vive Britney Spears, como uma princesa trancada em um castelo.
Recentemente lançado e com produção do The New York Times, o documentário intitulado Framing Britney Spears, é essencial para entender o atual e traumatizante estado da vida da cantora, afinal reúne profissionais que fizeram parte de momentos cruciais da carreira dela. Desde sua primeira assistente pessoal, o fotógrafo que teve seu carro alvejado por ela com um guarda chuva em 2007 e até advogados envolvidos no seu processo de interdição. É claro que o buraco é muito mais embaixo, mas o material apresentado ali já é suficiente para chocar qualquer um e se perguntar o porquê disso acontecer diante dos nossos olhos em pleno século XXI.
O documentário faz uma breve análise da carreira de Britney, o que nos ajuda a entender que ali sempre houve algo de errado. Muito antes das coreografias elaboradas, barriga de fora e hits marcantes, ela já estava trilhando seu caminho ao estrelato. Desde os 4 anos ela participava de concursos de dança e ensaiava exaustivamente, enquanto paralelamente fazia participações em festivais musicais e testes para a TV. Foi então aos 11 anos, que a sua grande chance veio através do Mickey Mouse Club, aquele programa musical infantil que exportou ao mundo artistas como Christina Aguilera, Ryan Gosling e infelizmente Justin Timberlake. Após sentir o gostinho da fama, o programa acabou e sem projetos futuros Brit retornou a sua cidade natal e seguiu sua vida como uma garota quase normal.
Mas é claro que tamanho carisma e talento não seriam desperdiçados e logo surgiu a oportunidade de lançar seu primeiro álbum e desde então sua vida e a música pop nunca mais foram as mesmas. Naquela altura Madonna já imperava como a rainha do pop, Mariah se consolidava como um dos maiores nome da década de 90 com seu R&B e se iniciava aos poucos uma explosão de girlgroups, como as Spice Girls, Destiny’s Child e boybands como o NSync e os Backstreet Boys, mas ainda havia uma lacuna a ser oucupada por um ídolo teen. Foi então que nasceu a nossa princesa do pop, que após conquistar o seu primeiro hit global dominando o topo das paradas com Baby One More Time, voltou todos os olhos do mundo para si e se tornou possivelmente a maior referência para os adolescentes daquela geração. Em uma era sem redes sociais, ela se tornou um dos rostos mais fotografados da época e com o tempo só ganhou ainda mais fama, dinheiro e admiração. Quem sabe um pouco demais para alguém de apenas dezessete anos.
A partir dali, mais do que uma cantora, Britney se tornou um produto. Seu corte de cabelo, sua lingerie, figurino e maquiagem eram pontualmente selecionados para compor sua imagética de ícone pop, que mesclava inocência e sexualidade. É claro que após tantos anos sendo controlada e sem poder de escolha sobre sua carreira ela passou a dar sinais de rebeldia e insanidade. Pode-se dizer que começou lá com a sua fuga para Las Vegas em 2004, onde ela realizou um casamento relâmpago com seu amigo de infância e culminou até o seu breakdown em 2007, onde ela entrou um salão de beleza, raspou a própria cabeça e em seguida vandalizou o carro de um paparazzi.
Muita coisa aconteceu entre esses dois eventos e grande responsabilidade deve ser atribuída a mídia que contribuiu de maneira absurda para a derrocada da cantora. Um grande exemplo são as entrevistas desconfortáveis sobre quando ela perderia sua virgindade ou retaliações sobre como ela expressava sua sexualidade eram mais naturais e constantes do que deveriam ser. Além da cobrança constante sobre um modelo ideal que ela deveria ser. E com seus relacionamentos não foi diferente, afinal muito se falou sobre o que ela poderia ter feito de errado para pôr um fim no relacionamento midiático com Justin Timberlake, mas o que ele fez de errado nunca se questionou. Após o término de um dos casais mais queridinhos da américa, todos queriam saber o que de fato rolou. E bastaram as insinuações de Justin sobre ele ter sido vítima de traição, para Britney ir de mocinha à vilã.
Durante os anos seguintes, a pressão exercida pela mídia, incluindo perseguições constantes para conseguir a foto mais degradante da cantora (que chegaram a valer um milhão de dólares) culminou em uma das quedas mais lamentáveis quedas que a indústria da música já viu. Britney foi perdendo a sua essência carismática de artista pop, passou a se entregar a uma vida boêmia na noitada e não demorou para questionarem sua capacidade como mãe. Durante todo o seu processo de maternidade, sofreu ainda mais exposição, o que contribuiu para que perdesse a guarda dos seus filhos e foi aí que seu mundo caiu.
Após uma série de adversidades, ela passou por sua primeira internação involuntária e sendo considerada incapaz de cuidar de sua própria vida passou a viver, até então temporariamente, sob tutela do pai. Seus bens foram bloqueados e nenhuma decisão sobre sua vida, deveria ser tomada por ela mesma. Inicialmente soou como uma boa ideia, mas o fato é que ela já vive nesse regime desde 2008 e seu pai e todos os advogados envolvidos têm sido os maiores beneficiários. Por anos esse processo se manteve em segredo de justiça e não era um grande assunto dentro da mídia, mas recentemente alguns documentos vazaram. Então aos poucos esse processo judicial tem sido escancarado ao público e mobilizado uma massa de fãs que clamam pela sua liberdade. O movimento #FreeBritney tem ganhado cada vez mais força nos últimos tempos mesmo em novembro de 2020 ela ter pedido mais uma batalha judicial em prol de sua liberdade.
Se descobriu inclusive, que em 2009 quando houve possibilidade dessa tutela ser revogada pela primeira vez, até que seu pai alegou que a filha sofria de um estado gradativo de demência, mesmo naquele ano tendo realizado quase 100 shows de uma de suas turnês mais lucrativas. Portanto é difícil acreditar na sua incapacidade. Outra novidade é que na última semana Britney conseguiu o direito de falar pela primeira vez diretamente à corte sobre sua situação real, até então ela era apenas amparada por seus representantes legais. Com isso ela trouxe à tona informações perturbadoras até então desconhecidas, como quando fizeram uma cirurgia de implementação de um DIU nela contra sua vontade e não permitiram com que ela retirasse. Além de citar diversas vezes onde foi coagida ou colocada sob o efeito de medicamentos pesados sem a menor necessidade.
É difícil não enxergar os interesses comerciais por trás desse processo e se perguntar como ainda é possível isso acontecer na atualidade, afinal é justo que uma lenda viva da música e com um legado tão importante, seja protagonista de sua própria vida. O documentário citado teve sua estreia no canal estadunidense FX e está disponível no Brasil, através das plataformas Hulu e Globoplay. Acompanhe a coluna do Pierre e fique por dentro do que rola de melhor No Streaming.
Além de Britney, essa coluna é dedicada a Fernanda Soares, que muito antes desse documentário, fez um vídeo incrível sobre o caso:
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