Sobre pum, baba e outros pequenos vacilos

Duas graduações, mestrado e doutorado, experiência no exterior, quase 20 anos atuando como professor universitário – e um zíper aberto. Ainda que as mudanças fonêmicas e morfológicas do português arcaico para o moderno tenham o seu apelo em uma turma de linguística, um zíper aberto desautoriza qualquer conhecimento acadêmico. Alguns alunos até tentam desviar o olhar, sem sucesso. A concentração se dispersa.

Essa situação pode até não ser muito comum para mim – ao menos depois de aposentar um short que insistia em abrir toda vez em que eu sentava –, mas, por outro lado, nunca me sinto tão vulnerável como quando babo no travesseiro. Convenhamos: com desvio de septo e rinite, não é lá muito difícil que isso aconteça. Inclusive, quando adolescente (e mais insegura), essa era uma real preocupação na hora de dormir na casa dos amigos.

Todo mundo já soltou um pum mais alto do que gostaria ou derrubou maionese no próprio cabelo e só foi perceber uma hora depois do lanche – não que tenha acontecido comigo, é claro. No entanto, quando esses pequenos eventos acontecem com pessoas que admiramos de alguma forma ou que são superiores a nós hierarquicamente, quem assiste sente uma pontadinha de prazer, é inevitável. O ideal seria, porém, que nada disso nos causasse vergonha.

Esses pequenos deslizes – ao menos do ponto de vista do convívio social – têm lá a sua função: nos tornar humanos mais humildes, criando um vínculo entre nós, em nossa pequenez, e aqueles a quem costumamos colocar em um pedestal. Os maiores pensadores contemporâneos com certeza já arrotaram depois de beber Coca Cola. Albert Einstein? Já soltou pum. Aquela pessoa linda e com quem você não tem coragem de falar? Com certeza já cutucou o nariz com o dedo ou esqueceu de passar desodorante antes de sair de casa.

(Talvez seja por isso que o jornalismo de celebridades continue insistindo em tornar públicas fotografias de famosos nessas situações cotidianas – um desserviço, convenhamos. É interessante imaginar que o zíper pode ser traiçoeiro com absolutamente todo mundo, sem exceções, mas tornar este detalhe notícia apenas porque há uma personalidade envolvida é um tipo de jornalismo bastante questionável, para dizer o mínimo.)

O meu ponto é: se todos assumissem abertamente as próprias gafes (e fluidos corporais), é capaz que o mundo fosse um lugar mais leve. É claro que isso não significa que está liberado sair por aí poluindo o elevador lotado, se é que vocês me entendem. Mas, se isso acontecer, não levar o riso ou a reprovação alheia tão a sério é fundamental para não ter o próprio humor perturbado. Rir junto, pedir desculpas e seguir em frente com a própria vida me parece a única postura possível – já dizia Marta Suplicy.

Por Nayara Brante
24/05/2015 13h00