Sobre empadinhas e histórias de amor

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“Chegou a empadinha, mas fiz confusão e troquei tudo!”. Foi assim que, em uma tarde de sábado, conheci Arnaldo Estrella. Vendedor de empadão e empadinhas para estabelecimentos comerciais do Centro e do Batel, em Curitiba, ele não mede palavras e tem sempre um causo para contar. Da explicação sobre o porquê de ter trazido mais salgados de palmito do que de frango do que gostaria, descobri como, em um mesmo dia, Arnaldo descobriu ser pai de duas crianças – mas é claro que a história não é tão simples assim.

Faz pouco menos de um mês que passei a experimentar a vida atrás de um balcão – e, além de aprender a fazer espressos, cappuccinos e deliciosas bebidas com chocolate, percebi que trabalhar em uma cafeteria pode ser muito divertido. Servir pequenas delícias ao outro é um tanto gratificante. Como adendo, você ainda tem a oportunidade de conversar com pessoas dos mais diferentes tipos, idades e credos. E o fornecedor de empadinhas não passa despercebido.

“Fiz uma sociedade com o amor da minha vida: ela entrou com o pé e eu com a bunda. Nos casamos e nos separamos sem ter nenhum filho. Só que hoje eu tenho três. Escuta essa história.” Ele não precisaria nem pedir, pois neste momento todos os funcionários e clientes da pequena cafeteria já prestavam atenção, alguns espiando pelo canto do olho. E assim fomos apresentados a Marlene, amiga de longa data que, alguns anos após o divórcio de Arnaldo, acabou se tornando uma “amizade colorida”. Ambos tinham a vontade de ter filhos e resolveram tentar: sem casamento, sem morar junto, sem um namoro aos moldes tradicionais.

Nessa época, o vendedor era dono de uma pizzaria – as folgas nos fins de semana eram raras. Em uma delas, no entanto, Arnaldo, então com seus 30 e poucos anos, resolveu acompanhar um amigo em uma festa de motoqueiros em Apucarana. Lá conheceu Carla: “Loira, linda, ex-miss Apucarana, patricinha, muita areia para o meu caminhãozinho. Não sei como acabei ficando com ela”. A aventura de fim de semana se transformou em uma viagem de moto para o Pantanal e, pouco tempo depois, em namoro. “Mas eu continuei com a minha amizade colorida aqui em Curitiba com a Marlene”, confessa.

Tudo mudou em 1990. No dia em que a amiga de Curitiba o informou que estava grávida, Arnaldo sentiu uma felicidade inexplicável. Era tudo o que ele queria – mas precisava terminar o namoro com Carla. “Era muita canalhice. Resolvi que ia me dedicar ao meu filho. Nesse mesmo dia cheguei na minha pizzaria, à noite, decidido a ligar pra Carla e acabar tudo. Só que ela me ligou antes e perguntou se eu estava sentado. ‘Amor, tô grávida’. Quase caí.”

Arnaldo terminou mesmo o relacionamento com as duas mulheres de sua vida, para evitar confusão – mas nunca abandonou seus filhos, cujos nomes ele prefere preservar. Os chamarei aqui de João Guilherme, filho de Marlene, e Adriana, filha de Carla. Eles nasceram com dez dias de diferença, em 1991, mas foram se conhecer somente aos sete anos. “Por muito tempo mantive essa vida dupla. A Marlene não sabia da Carla e a Carla não sabia da Marlene. E nem podiam saber. Tanto é que eu ainda tô vivo.”

“E o terceiro filho?”, perguntam os curiosos da cafeteria. “Esse nasceu dois anos depois, fruto de um mousse de maracujá na geladeira.” O suspense pairou no ar; funcionários e clientes do café aguardavam o desfecho digno de novela das oito. Seria Pedro Augusto (nomes compostos parecem cair no gosto de Arnaldo) filho de Marlene, de Carla ou de uma terceira personagem?

O vendedor aguarda alguns instantes antes de continuar: “Um dia o José Guilherme ficou doente. Ele era um bebê ainda. Então eu fui dormir na casa da Marlene, mas no sofá mesmo, para caso a criança precisasse de alguma coisa. Ir pro hospital, sei lá. De madrugada, lembrei de um mousse que vi e fui assaltar a geladeira. A Marlene acordou e veio toda brava: ‘Não acredito que você está acabando com meu doce!’. E aí a gente teve o Pedro Augusto”.

Adriana e João Guilherme têm hoje 24 anos; Pedro Augusto, 22. São amigos – entre si e do pai. “Eles me ligam de madrugada me chamando pra balada. Eu perguntei se sou o único pai que acompanha os filhos nesse tipo de coisa e eles falaram que sim, porque sou o único que faz cagada”, brinca. Ele então mostra em seu celular a foto de cada um, orgulhoso. E sorri.

Por Nayara Brante
22/03/2015 09h00