Simone Magalhães já rasgou a Marie Claire. Ela sabe da importância do seu papel quanto mulher, negra, sapatão, e deixa essa estrondosa personalidade explícita em suas canções e fortemente coesas em todo seu cantar. “Eu tenho apenas 20 anos nessa engrenagem, mas ainda é pouco. Na verdade sempre vai ser pouco”, conta a mulher que há um ano está em cartaz, na Casa Selvática com o espetáculo “Por que Não Tem Paquita Preta”.
O palco sempre foi o berço de criação das artes de Simone. Além de cantora e compositora, a trajetória dela teve início nas artes cênicas quando iniciou seu papel de atriz, ainda em Ponta Grossa, no teatro amador. De lá pra cá, a dinâmica entre a cantora e atriz é complementar. “Eu sou uma artista contra a maré, que faz um teatro de preto, de homossexual, tem outra pegada. Porque deve ser falado em um lugar como esse, em Curitiba, no Brasil. E peguei a manha de fazer”.
Com voz grossa, que deixa muito blueseiro na sola, a mulher negra não faz a linha da mulher frágil, é avessa ao discurso vazio sobre direitos humanos e, embora tenha nascido em Minas Gerais, não é de comer quieta. É arretada porque a família também tem todo o pé no Nordeste, mas, acima de tudo, Simone Magalhães faz de suas histórias a poética do seu canto. Se por um lado não tem paquita preta, que bom. Assim, o grito cantado de Simone dá voz cada vez mais ao cenário das cantoras negras em Curitiba e a representatividade artística delas. Naturalmente, únicas em suas expressões, mas imensuráveis quando cantam sua cor.
Curitiba Cult: Dessa tua raiz artística, em que momento as artes cênicas se deparam com a música e te apresentam outros palcos?
Simone Magalhães: Pois, é! Olha que louco, o teatro também te dá esses… E agora? Porque chega uma hora que você não faz mais a mocinha, mas pode fazer a mãe. Tudo bem, eu sou atriz, mas acontece que uns papéis se tornam repetitivos e eu começo a me cansar, mas o teatro é repetição. Você estuda um autor hoje, e depois ele volta, e tem que ser novo, ter frescor. É uma batalha. Porque as vezes a tua idade vai te balançando, questionamentos de idade, será que eu vou fazer esse papel, de novo?! Isso me pegou. E também sempre tive na mão essa de cantar, envolvida com musicais, adoro compor, mas sempre atuando para pagar aluguel, comer. E um dia veio um estalo, um questionamento de lei de incentivo, como eu vou trabalhar?
Para driblar todo esse ser empírico de questionamentos… Todo artista passa por isso. Como foi esse teu caminho?
Bom, eu sou atriz, tenho essa disponibilidade para a música. Já tinha umas músicas, e sempre querendo fazer um solo como artista para se descolar financeiramente. Mas, para mim, tanto a música quanto o teatro caminham juntos, não tem como desassociar. E comecei a me apresentar em alguns lugares, inicialmente, quando me convidavam. Eu tinha uma resposta muito bacana do público porque é o que me dirigi. E isso no “Por que Não Tem Paquita Preta?” é o que me guia. Poder realizar esse espetáculo aqui na Casa Selvática, onde fui acolhida enquanto artista negra, sapatão, em um cenário curitibano. Sou uma artista contra à maré, que faz um teatro de preto, de homossexual, tem outra pegada, porque deve ser falado em um lugar como esse, em Curitiba, no Brasil. E peguei a manha de fazer. Aqui na Selvática eu tive meu desafio do ano, fazer Iracema [236ml – O Retorno da Grande Nação Tabajara].
Vocês estavam na Mostra SESC Cariri de Culturas, né?
Sim, acabamos de voltar do Cariri com o espetáculo. Mas, imagina, negra, sapatão e Iracema. Amei, aqui é o lugar onde nós temos o mesmo pensamento cênico e artístico. E fui muito bem recebida. Eu me acho louca, mas eles são mais loucos do que eu, cada um no seu tempo, e eu no tempo de cada um, sendo cada um desse meio artístico selvático.
Há quanto tempo você esta na Casa?
Um ano, o mesmo tempo do “Por que Não Tem Paquita Preta?”. Eu não me via estreiando em outro lugar que não fosse aqui. E eu estou em casa. Mas há dez anos que eu canto. Fazer teatro e compor me deu força pra cantar. Eu acho o meio musical muito mais classudo. O teatro é carne sangue e nervos, como diz, [Beltord] Brecht.
A primeira vez que eu ouvi alguém se manifestar em relação a esse lance de não ter paquita preta foi no filme do Eduardo Coutinho, o “Jogo de Cena”. Tem alguma coisa a ver o nome do Por que Não Tem Paquita Preta? ou não?
Não, nada. Eu 2009, eu fiz um espetáculo com a temática só preta. Precisava gritar esse meu lado atriz. E dizia tudo no espetáculo. Só o diretor que não era negro, o Rafael Camargo. Mas era toda essa temática. O espetáculo se chamava Pixaim. Eram esquetes engraçadas e provocativas com cinco atores. Nesse processo eu comecei a criar umas histórias, e o Rafael falou, pega essa tua manha que já é cantar, se der eu posso te dirigir, mas vai você sozinha. E a coragem? A gente sempre quer um diretor… E eu fui. Nesse processo de criação, um dia eu estava com o Léo [Fressato], muito amigo meu, e ele, que compõe, instantaneamente falou, vai preta! Todo mundo tem que ter um axé, e a primeira coisa que saiu foi “por que não tem paquita preta?”, que é uma pixação que tem num muro do Rio Grande do Sul. Por eu ser do movimento de mulheres negras, sempre discutimos isso, de não ter bailarinas negras, as chacretes… Nas propagandas de família em Curitiba não tem negros. Mas e aí saiu a música primeiro, junto com o Léo. A estreia foi aqui na casa, e estamos aí.
Com o espetáculo há um ano em cartaz, a Simone que deu início nesse grito engajado artisticamente é a mesma de hoje?
Claro, tem uma Simone antes e depois. Quando eu estou em cena, defendendo um tema à flor da pele, não estou falando só de bailarina, mas do meio artístico, política. Essa sensibilidade me trouxe até aqui. Não foi meu sobrenome que me trouxe até aqui. Eu sou uma artista negra, compositora preta.
Durante essa temporada com o espetáculo, ao longo dele, você convidou alguns músicos para dividirem o palco com você. Até o final do ano, quais são os próximos?
No dia 06, Os Calvos tocam comigo. Mas as pessoas que eu estava convidando estão sem agenda. Ano que vem eu quero fazer mais, quero convidar muita gente. Eu quero rever o público nesse final de ano. E eu respeito esse tempo, se essa pessoa não pôde agora, é porque eu tenho que estar só, no palco, naquele momento.
Quando: 28 e 29 de novembro e 6 de dezembro
Onde: Casa Selvática (Rua Nunes Machado, 950)
Quanto: R$ 10
A bilheteria abre às 20h, juntamente com o bar. Ingressos limitados. A casa aceita cartões de débito.
(Fotos: Divulgação)
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